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Nº 1901 - Ano 41
27.04.2015

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Para os ouvidos da cidade

Conservatório UFMG completa 90 anos com programação especial e planos para um centro de memória da instituição e da música em Belo Horizonte

Itamar Rigueira Jr.

Era a década de 1930, e a professora Berenice Menegale tinha apenas três anos de idade. Mas ela se lembra bem do concerto de cravo e flauta a que assistiu no auditório do então Conservatório Mineiro de Música. O flautista era o brasileiro de origem alemã Hans-Joachim Koellreuter, recém-chegado ao país; do cravista, ela não consegue dizer o nome, mas nunca esqueceu a cor do instrumento: verde-claro.

Tempo de aniversário é tempo também de memórias. E certamente há muitas histórias como a que nos conta a professora aposentada da UFMG, pianista precoce que um ano depois já protagonizava um recital na Casa. Afinal, são 90 anos de existência da instituição, que ganhou, na década de 60, o nome de Conservatório UFMG. A programação comemorativa de fundação do espaço terá homenagens nesta quinta, 30 de abril: professores, alunos e a Orquestra Sinfônica da Escola de Música vão tocar obras de nomes que marcaram diversas épocas, como Francisco Nunes, o primeiro diretor, Carmen Silvia Vasconcelos e Hostílio Soares. Nos dias 28 e 29, haverá solenidades e recitais no auditório da Reitoria e na Escola de Música.

Outras apresentações, em maio, junho e agosto, prometem reunir ex-alunos e ex-professores, como as integrantes do grupo Cordas e Vocais (Cacá Câmpara, Eliane Fajioli, Maria Inêz Lucas e Virginia Bernardes), acompanhadas pelo pianista Hely Drummond. Em setembro e outubro, duas exposições vão se alternar entre o prédio da Avenida Afonso Pena e a Escola de Música, no campus Pampulha. Uma delas vai lembrar o compositor e regente belga Arthur Bosmans, que lecionou na UFMG de 1965 a 1980; a outra vai homenagear o musicólogo Koellreutter, que atuou como professor visitante na Universidade.

A equipe do Conservatório prepara um totem feito de telas sensíveis ao toque que vai contar a história da instituição em textos, fotografias e documentos. A pesquisa que viabiliza essa iniciativa – com base em livros e acervo abrigado na Escola de Música, que está recebendo tratamento – marca também o início de um trabalho que dará origem a um centro de memória do próprio Conservatório e da música em Belo Horizonte. A professora Margarida Borghoff, diretora da instituição, coordenará a elaboração de projeto destinado a buscar recursos de agências de fomento para adequar e equipar um espaço no próprio prédio histórico. Para 2016, ano em que o edifício completa seus 90 anos de existência, o objetivo é realizar trabalho de restauro.

Para a diretora de Ação Cultural da UFMG, professora Leda Martins, comemorar esse aniversário e criar o centro de memória é fundamental na medida em que valoriza uma instituição que “tem relevância inestimável para a história da música na UFMG e em Belo Horizonte”.

Elos com a Escola de Música

Há um ano à frente do Conservatório, Margarida Borghoff faz questão de valorizar os elos com a Escola de Música da UFMG e diz que prefere apostar na manutenção de projetos, mesmo quando – ou por isso mesmo – ainda há cadeiras vagas na plateia. Uma das séries mais bem-sucedidas é a Quarta Cultural, que promove apresentações no pátio da entrada da Rua Guajajaras, na hora do almoço, atraindo passantes e um público cativo.

Um projeto mais recente, Palco Livre, abre espaço para grupos de BH e de cidades próximas, selecionados por meio de edital. Da primeira para a segunda chamada, o número de inscritos dobrou. O projeto Conexões Musicais, por sua vez, convida músicos de outros estados, muitas vezes professores de outras instituições.

A diretora anuncia a estreia, em maio, do projeto Perspectivas, que estimulará a montagem de espetáculos interdisciplinares, em que a música vai dialogar com artes performáticas, entre outras. Ela menciona também os cursos de introdução à música para leigos e de música na história e a formação de um coral de crianças. Embora a maioria das iniciativas desse tipo seja gratuita, há planos também de cursos pagos, como uma atividade regular em associação com o Centro de Musicalização Infantil (CMI).

Margarida Borghoff ressalta a importância de compartilhar com a cidade a estrutura e a capacidade do Conservatório de produzir conhecimento e espetáculos, valorizando a relação com a Escola de Música e a memória da instituição. “O Conservatório é um cartão de visitas da Universidade no que tange ao ensino de música e à produção artística”, diz a diretora, que destaca as excelentes condições acústicas do auditório e a qualidade dos equipamentos – a estrela da companhia é um piano Steinway B – e do apoio técnico oferecido aos músicos.

O professor Cleber Alves, da Escola de Música, confirma a adequação da sala, que tem “sonoridade natural”, e elogia a localização central do Conservatório. Saxofonista e coordenador da Geraes Big Band, da UFMG, ele já se apresentou lá diversas vezes, incluindo projeto recente com Nivaldo Ornellas. “Ao mesmo tempo em que tem enorme tradição, o espaço abre suas portas para os músicos iniciantes”, comenta.

Tempo das mulheres

Embora não tenha sido aluna do Conservatório, Berenice Menegale era frequentadora assídua do espaço e se recorda que a instituição recebia muitos professores do interior e que por muitos anos abrigou praticamente apenas alunas mulheres. Maria do Carmo Câmpara, também professora aposentada da UFMG, ingressou como discente em 1968 e lembra o preconceito contra os cursos rotulados por alguns de “espera-marido”. Ela prefere destacar as atividades de extensão, que “eram referência e formaram muitos músicos que se destacam no panorama atual”. Os primeiros tempos de graduação, segundo ela, foram marcados por professores que ainda não tinham titulação, contratados com base em “notório saber”, e alunos mais velhos, já graduados em outras áreas, que estudavam música mais por prazer do que em busca de sustento.

Com 50 anos de história em comum com o Conservatório, o professor Lucas Bretas ingressou como aluno do curso básico, em 1965, e graduou-se dez anos depois. Ele destaca a forte influência, durante muitos anos, das irmãs Yolanda e Helena Lodi, e a dificuldade de adaptação da instituição à Universidade, quando da incorporação. “Nessa época, caíram o número e a qualidade dos alunos, em razão do vestibular unificado, sem provas específicas de música”, ele diz.

Entre suas lembranças mais marcantes estão também a criação do Curso de Formação Musical, em 1976, que, segundo Lucas Bretas, foi fundamental como preparação básica sistemática de conhecimento e habilidades; a grande expansão da instituição na década de 1980, com maior inserção no espaço musical da cidade, por meio da promoção de grandes eventos e concertos, e a mudança radical do perfil do corpo docente, provocada pela mudança da Escola para o campus. “A produção acadêmica cresceu e a artística se estabilizou”, afirma Bretas, que dirigiu a Escola de Música por dois mandatos.

Também ex-diretor da Escola (1998-2002), o professor Claudio Urgel considera que as comemorações dos 90 anos de criação do Conservatório podem destacar dois aspectos cruciais de sua história. “Ele foi a primeira escola de música oficial do estado de Minas Gerais, no modelo europeu. E, com a incorporação pela UFMG, se transformou gradualmente em escola superior, abrindo espaço para a pesquisa, ao lado do ensino de música.”


Programação

Prata da Casa – Alunos e professores da Escola de Música se apresentam na última segunda-feira do mês
Quarta Cultural – Às quartas-feiras, na hora do almoço, músicos de formação erudita ou popular apresentam-se na praça coberta
Palco Livre – Músicos selecionados por edital tocam nas noites de segunda e terça
Conexões Musicais – Concertos de artistas convidados de outras instituições e estados, às quintas-feiras
Concertos de Outono e Primavera – Parceria com a Organização dos Aposentados (OAP) da UFMG para apresentação de música erudita e popular, nas noites de sexta-feira
Perspectiva – Apresentação de grupos de teatro, dança, música, literatura e artes visuais locais, por meio de performances, intervenções e instalações, sempre na terceira sexta-feira do mês

Linha do Tempo

1925 (29 de abril)
Inauguração oficial do Conservatório Mineiro de Música em sua sede provisória, no Parque Municipal.

1926 (5 de setembro)
Inauguração da sede definitiva, na Avenida Afonso Pena, 1.534

1950 (4 de dezembro)
Instituição é federalizada e se transforma em escola superior

1963/67
Conservatório é incorporado à UFMG

1988 (15 de março)
Prédio é tombado pelo Iepha

1997
Escola de Música é transferida para o campus Pampulha, e o edifício passa a abrigar a comissão organizadora do centenário de Belo Horizonte

1998
Começa a revitalização do prédio

2000 (11 de agosto)
Edifício é reaberto como complexo cultural