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Earendel: A estrela mais distante já observada

Compreenda os fenômenos físicos que nos permitiram enxergá-la

 

12 de setembro de 2023

 

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28 bilhões de anos-luz! Esta é a distância entre a Terra e o pontinho indicado na imagem acima. Distância tão grande, que, mesmo se fôssemos capazes de viajar na velocidade da luz, o tempo que demoraria até alcançarmos esse ponto seria maior do que o dobro da idade atual do universo!

 

Mas como conseguimos distinguir uma única estrela se a essa distância as próprias galáxias são menores que grãos de areia? Como podemos observar um objeto que está mais longe do que a idade do próprio universo? E de onde vem esse nome, Earendel? Bom, caros leitores, essas são algumas questões que queremos tratar ao longo do texto, mas a resposta rápida é: física, física e o autor de O Senhor dos Anéis, J. R. R. Tolkien!

 

Inicialmente, precisamos contar a história desta estrela, descoberta em 2022 pelo Telescópio Espacial Hubble, que mesmo com seus mais de 30 anos de serviço continua revolucionando a astronomia. O que o Hubble observou não é muito diferente daquilo visto pelo telescópio James Webb, que apontou para a mesma região do céu pouco mais de um ano depois, isto é, um pontinho vermelho, no meio de uma longa linha vermelha e levemente arqueada. O que ambos os telescópios observaram foi uma galáxia que, do ponto de vista da Terra, ampliou a imagem da estrela através de um fenômeno físico chamado lente gravitacional.

 

Recorte das fotografias de campo profundo do Hubble e do James Webb, respectivamente. (Créditos: NASA, ESA e CSA)

 

Esse evento é explicado pela teoria da relatividade, elaborada originalmente por Albert Einstein, que nos mostra como a gravidade é capaz de curvar o tecido do espaço-tempo e, quando a luz passa por uma dessas regiões do espaço, a direção dela acaba sendo alterada.

 

Essa curva que a gravidade força sobre a trajetória da luz não é diferente de como o vidro de uma lupa curva o caminho da luz e quando essa alteração resulta em uma convergência, os feixes de luz que antes viajavam em linha reta – e nunca se tocariam – acabam sendo redirecionados em uma mesma direção de tal forma que em algum momento eles irão se encontrar. Quando isso acontece, temos uma ampliação da imagem original.

 

Ilustrações teóricas do funcionamento de uma lente gravitacional. (Créditos: ESO e Galileo Unbound, respectivamente)

 

As lentes gravitacionais são o que nos permitem enxergar objetos tão distantes. Elas atuam como um zoom natural do universo, uma grande lupa, mas vale mencionar que a imagem produzida desta forma não é tão “certinha” como a de uma lupa, pois ao invés de simplesmente vermos o objeto ampliado, geralmente o visualizamos em um formato de anel em volta da distorção gravitacional que gerou essa imagem. E é em uma das partes desse anel que os telescópios espaciais enxergaram essa estrela. Mais precisamente, essa parte levou o nome de “Arco do Sol Nascente”, pela sua aparência vermelha que remete à cor do sol próximo ao horizonte que vemos nas manhãs e fins de tarde.

 

Agora que sabemos o meio utilizado para enxergar essa estrela, continua-se com a pergunta de como podemos enxergar algo mais distante do que a idade do universo, e a resposta é simples: nós não podemos!

 

O que o Hubble e o Webb viram, foi a luz emitida pela estrela há 12,9 bilhões de anos atrás. Quando esse fótons deixaram a superfície da estrela e começaram sua viagem pelo cosmos, a Terra e o Sol nem sequer existiam ainda e até mesmo nossa própria galáxia ainda estava se formando.

 

O que aconteceu foi que, após a luz ter deixado a estrela e vir em nossa direção, Earendel continuou sua jornada pelo espaço, indo em uma direção oposta à nossa e aumentando a distância entre ela e o ponto no universo onde viria a existir a Terra. Podemos tentar imaginar um experimento mental que facilite essa ideia da seguinte forma: pense em um avião viajando mais rápido que o som para uma direção oposta à nossa, dessa forma, quando escutarmos o barulho do motor do avião, ele já estará muito longe do ponto em que o som foi gerado.

 

Mesmo que essa estrela tenha viajado sua vida toda na direção oposta, ainda não seria possível que ela estivesse a essa distância tão absurda, mas isso acontece devido à forma que nosso Universo se expande. Ele não se expande das “beiradas” para fora, mas sim crescendo em todos lugares e direções ao mesmo tempo. Dessa forma, o espaço que existe entre nós e Earendel expandiu muito nos 12,9 bilhões de anos entre essa luz ter sido emitida e finalmente chegado a nós, de uma forma que podemos calcular que essa estrela está a 28 bilhões de anos-luz de distância.

 

Earendel, entretanto, provavelmente já não existe mais, pois, por se tratar de uma estrela duas vezes mais quente e cinquenta vezes mais massiva que o nosso sol, ela possui as condições para ter entrado em Supernova há algumas centenas de milhões de anos depois que a luz que foi registrada pelos telescópios foi emitida, ou seja, ela explodiu há bilhões de anos atrás. Apenas a luz desse evento ainda não chegou até nós.

 

Mas apesar dos pesquisadores que descobriram essa estrela saberem de seu final trágico, isso não os impediu de nomeá-la de uma forma carinhosa. A inspiração vem diretamente de “O Silmarillion”, do autor inglês J. R. R. Tolkien, que no livro elabora vários detalhes sobre o universo de Senhor dos Anéis e o Hobbit.

 

Tolkien partiu do inglês antigo, onde a palavra Earendel é um nome próprio que significa “estrela da manhã” para criar um personagem com o nome de Eärendil, um meio elfo que, na mitologia do autor, viaja pelos céus carregando uma joia feita de luz. Para os astrônomos que primeiro identificaram essa estrela e eram grandes fãs de Tolkien, o nome de earendel soou perfeito para nomear uma estrela que existiu tão cedo no universo, em um período descrito na literatura como “Amanhecer Cósmico”, quando se formaram as primeiras galáxias e buracos negros.

 

Constelação de Cetus, a Baleia. (Créditos: Reprodução/Stellarium)

 

Earendel, e a galáxia do Arco do Sol Nascente, a qual a estrela pertence, estão escondidas na constelação de Cetus, também conhecida como a Baleia, que pode ser vista ao nordeste por volta das 19h nos meses de Novembro e Dezembro, próxima a Peixes. Mesmo que seja impossível ver Earendel a olho nu da Terra, ainda podemos nos divertir pensando que estamos olhando em direção ao ponto mais distante já encontrado!

 

[Texto de autoria de Thiago Araújo, estagiário do Núcleo de Astronomia do Espaço do Conhecimento UFMG]

 

Referências

What is a gravitational lens?

The Lens of Gravity: Einstein’s Rings

Lensed Star Earendel

Sunrise Arc Zoom-In.

Webb Reveals Colors of Earendel, Most Distant Star Ever Detected

Record Broken: Hubble Spots Farthest Star Ever Seen

Meet Earendel: Hubble telescope’s most distant star discovery gets a Tolkien-inspired name