O Perder das Noites Estreladas – Espaço do Conhecimento UFMG
 
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O Perder das Noites Estreladas

Descubra como a intensa iluminação das ruas da Região Metropolitana afetam as milhares de luzes que cintilam em nossos céus

 

12 de dezembro de 2023

 

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“Amanhã, depois de amanhã, e no dia seguinte, o sol irá se pôr na região Oeste, assim como ele tem feito pelos últimos bilhões de anos, e continuará a fazer pelos próximos bilhões de anos a vir, marcando assim, a chegada da noite, na qual nosso céu azul perde a cor e se transforma em um fundo negro, completamente escuro.” 

 

Deste cenário, surge uma das mais espetaculares vistas que possuímos neste planeta, pois contra o plano escuro do espaço, podemos ver o brilho de milhares de outras estrelas, cintilando ao longo da noite, acompanhadas por nebulosas, meteoros, galáxias, planetas, a Lua e o próprio plano da Via Láctea, que se destaca como uma iluminada faixa branca que percorre todo o céu. As cortinas para o espetáculo do nosso cosmos se mantêm abertas por toda a noite, fechando-se apenas com o nascer do Sol, para então se abrirem novamente em algumas horas. Mesmo que o ciclo continue por eras, esse belo espetáculo do universo, assim como a maioria das belas coisas em nosso mundo, está sob ameaça.

 

Poluição Luminosa

Por milênios, os seres humanos viveram tendo apenas o fogo como fonte de luz e calor. Nos últimos séculos, entretanto, com o avançar da revolução industrial, não apenas tivemos cidades crescendo e atingindo números populacionais nunca vistos antes, como também passamos a iluminar nossas ruas com lâmpadas, uma opção muito mais eficiente e segura do que as chamas.

 

Após as primeiras luzes artificiais, nossas cidades evoluíram para usar LEDs, Neon, Holofotes, etc. Abandonamos a ideia de lâmpadas apenas como forma de iluminação e passamos a integrar a luz produzida por elas na própria arquitetura dos nossos prédios, pontes, ruas e espaços públicos. Passamos a clarear as noites quase como se estivéssemos em uma cruzada contra qualquer escuridão.

 

E o resultado? Em ambientes urbanos, devido a enorme quantidade de luzes, o próprio céu se tornou claro, de tal forma que não existe contraste entre as estrelas da noite e o brilho da cidade, assim, escondendo as belezas do cosmo para grande parte da população humana.

 

E quanto do espetáculo estamos perdendo? Astrônomos usam a Escala de Bortle para medir o efeito da poluição luminosa, onde o número 1 representa um céu perfeitamente escuro, e os números 8/9 representam o céu de uma cidade grande. Como 85% da população humana vive em áreas com algum nível de poluição luminosa e 57% habita em cidades, existe uma grande parcela de pessoas que nunca viu uma noite verdadeiramente escura, ou sequer puderam observar a Via Láctea.

 

Escala de Bortle recriada pelo ESO em fotografia do próprio observatório. (Créditos: ESO).

 

Para piorar, astrônomos calculam que a quantidade de poluição luminosa em torno do mundo está crescendo aproximadamente 10% por ano, com previsões de que dentro de um século, ou seja, próximo ao ano 2120 não haverá mais nenhuma região do globo onde teremos um céu perfeitamente escuro.

 

Outros problemas da poluição Luminosa

Mais do que apenas esconder as maravilhas do universo, a poluição luminosa é também um problema de Saúde. Nós seres humanos evoluímos ao longo de milhões de anos com o ciclo do dia fazendo parte da nossa biologia, de tal forma que durante a noite, nossos corpos produzem um hormônio chamado Melatonina, responsável por regular o nosso sono, reforçar nosso sistema imunológico e controlar o peso. Assim, a interrupção da produção desse hormônio, devido às luzes artificiais, gera problemas que variam desde ansiedade a problemas cardíacos, com evidências apontando até mesmo para um aumento de diversos cânceres.

 

Além disso, a poluição luminosa também é um problema ambiental, pois assim como nós evoluímos com a necessidade por noites escuras, várias espécies fizeram o mesmo. A iluminação das cidades interrompe o ciclo de vida desses animais assim como fazem conosco.

 

Uma tartaruga marinha recém-nascida seguindo luzes artificiais ao invés de ir em direção ao mar. (Créditos: Blair Witherington).

 

Um exemplo disso é visto com as tartarugas, que enterram seus ovos na praia, para que os filhotes ao nascerem possam seguir instintivamente em direção ao lado mais claro, que naturalmente seria o oceano, onde a luz das estrelas reflete na água. Mas, devido à poluição luminosa, a prole de toda uma espécie tende a ir em direção a cidade, onde frequentemente morrem antes de um possível resgate. Nossas luzes artificiais também afetam pássaros e insetos que usam da luz da Lua para se guiarem. Constantemente esses animais ficam perdidos em ambientes hostis a eles. 

 

Como resolver?

Poderíamos simplesmente apagar todas as luzes da cidade durante a noite, uma medida simples e rápida, mas que geraria uma série de problemas e um inerente caos social. O ideal na verdade seria adaptar nossas cidades para que continuem iluminadas ao mesmo tempo em que preservamos o céu escuro, pois o problema não são as luzes em si, mas sim toda a luz que desperdiçamos apontando para o céu. Essa solução pode ser obtida por uma combinação de diferentes métodos de redução da poluição luminosa.

 

Primeiro, precisaríamos de designs melhores para as lâmpadas das nossas cidades, de tal forma que consigamos evitar que a luz gerada vá em direção ao céu, restringindo a poluição luminosa somente aos limites da cidade, e não das regiões em volta delas.

 

Segundo, precisaríamos trocar as cores das nossas lâmpadas, torná-las vermelhas de preferência. A luz vermelha é a cor que menos ofusca o brilho das estrelas, e que menos interrompe as funções biológicas da nossa espécie e dos demais animais, tanto que é a cor geralmente usada para iluminar observatórios ao redor do mundo.

 

Observatório da Reserva International de Céu Escuro Aoraki Mackenzie.
(Créditos: Dark Sky Project).

 

E além de todos os benefícios já citados de uma iluminação focada em reduzir a poluição luminosa, vale mencionar que essas medidas também fazem sentido econômico, uma vez que lâmpadas vermelhas consomem menos energia, evitando o desperdício.

 

Nostalgia pela Escuridão

Essa perda da escuridão é tão dolorosa para a astronomia que recentemente membros da área cunharam um novo termo para expressar esse sentimento: 

 

Noctalgia

um luto pelo céu noturno, um sentimento de tristeza e saudade por esse fenômeno que perdemos.

 

Se você, caro(a) leitor(a), divide esse mesmo sentimento, saiba que mesmo que nossas noites sejam extremamente poluídas em muitas regiões, ainda existem esconderijos no mundo onde você pode ver um céu completamente escuro. Deixo aqui um mapa da poluição luminosa no planeta, para que você possa encontrar esse lugares: https://www.lightpollutionmap.info/

 

A poluição luminosa talvez seja uma das maiores tragédias da sociedade moderna uma vez que, não apenas apaga uma das mais espetaculares vistas do planeta, como também a omite para gerações inteiras. Nesse processo, perdemos aquilo que permite nos reconhecermos como parte do universo, algo capaz de nos assustar e nos tornar humildes, mas também com um enorme potencial de nos inspirar e fascinar.

 

[Texto de autoria de Thiago Araújo, estagiário no Núcleo de Astronomia do Espaço do Conhecimento UFMG]

 

Referências

Light pollution harms wildlife and ecosystems

The loss of dark skies is so painful, astronomers coined a new term for it

The new world atlas of artificial night sky brightness

The increasing effects of light pollution on professional and amateur astronomy

Light pollution: hidden perils in light and links to cancer

Urban Development Overview

Dark and Quiet Skies for Science and Society – Report and recommendation