Quilombos metropolitanos: história afrodescendente mineira – Espaço do Conhecimento UFMG
 
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Quilombos metropolitanos: um patrimônio vivo da história afrodescendente mineira

Conheça um espaço de resistência que vibra com uma história ancestral no meio da grande cidade

 

28 de novembro de 2023

 

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Muitos e muitos anos antes da criação da cidade de Belo Horizonte, uma comunidade afrodescendente já tinha raízes fincadas no território sobre o qual a capital mineira futuramente se desenvolveria. Era o Quilombo Mangueiras! Ainda neste Novembro Negro, conheceremos este espaço que resiste até hoje com uma história ancestral no meio da grande cidade.

 

Quilombo Mangueiras. (Créditos: Ricardo Laf).

 

Localizado no quilômetro 13,5 da MG-20, Mangueiras habita a região conhecida como Ribeirão da Izidora desde o século 19, antes mesmo da abolição da escravatura no país. No território vivem hoje cerca de 32 famílias em uma área de 20 hectares, se estendendo por vegetações nativas e nascentes. Sua história começa com o casal Vicência Viera de Lima e Cassiano José de Azevedo, lavradores negros possivelmente naturais de Santa Luzia e Sabará, e seus doze filhos, cujos descendentes ainda compõem grande parte dos moradores da região. 

 

A filha mais nova do casal, Maria Bárbara (1863 – 1936), artesã de doces e panelas de barro, é a antepassada mais próxima dos habitantes do quilombo, sendo que muitos ainda carregam memórias, sejam próprias ou de seus familiares, de sua presença por lá. A memória oral da comunidade resgata e compartilha memórias sobre os ancestrais que fundaram e protegeram a terra onde hoje vivem.

 

A Comunidade Quilombola Mangueiras sempre foi uma terra rural. Seu nome surge das grandes mangueiras espalhadas pelo território, em um ato de autorreconhecimento e valorização da identidade do espaço ligado fortemente à presença e convivência com a mata ao redor. Com o avanço do vetor norte de Belo Horizonte, muitos moradores passaram a compartilhar aspectos de sua vida com o meio urbano, por vontade ou necessidade, atuando como trabalhadores informais em diversas áreas da cidade. Apesar da crescente expansão urbana, a comunidade ainda mantém práticas agrícolas diversas, como o cultivo de frutas, legumes e hortaliças em seus quintais, criação de animais e plantações de cana para venda de garapa, bem como o uso de fogão a lenha e o conhecimento medicinal das plantas, aprendizados passados de geração em geração.

 

Apenas uma placa sinaliza a entrada no território de Mangueiras. (Créditos: Ricardo Laf).

 

Uma ode às raízes tradicionais

Com cerca de 70% de seus moradores sendo mulheres, a figura da matriarca é extremamente importante para a comunidade. Por muito tempo, Dona Wanda, que foi casada com o neto de Maria Bárbara, Cassianinho, representou a força, a sabedoria, a ancestralidade e as tradições do quilombo. Foi parteira, contadora de histórias, benzedeira, mãe, avó e bisavó, tendo falecido em 2019. 

 

Dez anos antes fundou, junto a duas de suas filhas, o terreiro “Ilé Asè Odé Safé Edún Ará”, que se tornou uma importante referência religiosa para os moradores. Apesar das manifestações de fé no espaço serem diversas, com destaque para a católica, a evangélica, a umbanda e o candomblé, os terreiros que já existiram por lá agem como elo de pertencimento e valorização da identidade e da herança africana. Os hábitos rurais, o batuque, as festividades e as celebrações de matriz afrodescendentes contribuem, assim, para o fortalecimento da memória coletiva de Mangueiras.

 

Comunidade Quilombola Mangueiras. (Créditos: CBH Rio das Velhas – TantoExpresso/Ohana Padilha).

 

As tensões que nascem do encontro                                                                                

O território original ocupado por Vivência e Cassiano era de aproximadamente 387 mil m², sofrendo uma redução drástica ao longo dos anos. Por volta de 1920, um médico do Rio de Janeiro, Hugo Werneck, mudou-se para Belo Horizonte e adquiriu grande parte das terras ao redor das áreas cultivadas pelo casal de lavradores, criando assim a Granja Werneck. Uma partilha entre os filhos da família levou, de alguma maneira não documentada, à perda de metade da extensão das terras para os Werneck, situação que não pode ser contestada devido aos altos custos da contratação de advogados.

 

Desde então, a pressão da especulação imobiliária, a expansão das vias urbanas e a ocupação territorial decorrente da fraca delimitação e fiscalização territorial vem preocupando os moradores e restringindo seu acesso a sua própria terra. A construção da MG-20 impossibilitou o acesso a dois ribeirões importantes para a cultura e a subsistência das famílias, o do Izidora e o da Onça. Além disso, a contaminação do Córrego Lajinha por uma rede de esgoto e a poluição das nascentes que se localizam no Mangueiras, aproveitadas tradicionalmente para consumo, banho e atividades agrícolas, impede a continuação dessa prática secular e coloca em risco a saúde e a segurança da população local.

 

Poluição das nascentes. (Créditos: CBH Rio das Velhas – TantoExpresso/Ohana Padilha).

 

Em 2017, o projeto “Valorização de Nascentes Urbanas”, realização do Projeto Manuelzão, da Faculdade de Medicina da UFMG, em parceria com o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e com o Subcomitê de Bacias Hidrográficas do Ribeirão do Onça, empreendeu um processo de revitalização da nascente principal do território quilombola. Sobre esse projeto, Ione Maria de Oliveira, representante da diretoria da Associação Quilombola Mangueiras, comenta: “Para a nossa matriz africana, a água é o elemento mais importante. Nos preocupamos com os cuidados com a água e estamos lutando pela despoluição das águas em torno do quilombo”.

 

Poluição das nascentes. (Créditos: CBH Rio das Velhas – TantoExpresso/Michelle Parron).

 

A construção de projetos habitacionais governamentais em 1950, a duplicação da MG-20 em 2006 e a construção da Linha Verde reduziram o território original aos seus diminutos 20 hectares atuais. Como resistência ao descaso governamental com a terra ancestral, moradores de Mangueiras se reuniram para a construção da Associação de Mangueiras, um importante passo rumo ao autorreconhecimento dos moradores da região e à organização política frente às necessidades das famílias.

 

Outro problema que surge com a urbanização e as dinâmicas contemporâneas é a situação do endereçamento. O quilombo, até pouco tempo atrás, estava sob três códigos postais e não havia um consenso se pertencia à região Norte ou Nordeste de BH, o que atrasava o recebimento de cartas e impossibilitava o estabelecimento de uma rede de transporte público na região.

 

Localização do Quilombo Mangueiras. (Reprodução/Google Maps).

 

Em 12 de dezembro de 2005, a comunidade de Mangueiras se autodeclarou quilombola e solicitou a declaração oficial à Fundação Cultural Palmares. Já em 2006, um pedido da demarcação e titulação do território foi enviado e aprovado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Em 2015, Mangueiras foi tombado como patrimônio histórico e imaterial da cidade de Belo Horizonte, um aceno de esperança para os moradores!

 

Mangueiras é um entre muitos

Sob o “Encontro de Kilombo”, no Dia da Consciência Negra (20/11), cinco comunidades quilombolas de BH e região metropolitana se reuniram para celebrar às confluências entre às ricas culturas tradicionais que mesclam rural, urbano, passado, presente e futuro! Os quilombos Mangueiras, Manzo Ngunzo Kaiango, Souza e Luíses, já foram reconhecidos pela Fundação Palmares, enquanto o quilombo Matias iniciou o processo de reconhecimento e aguarda pela finalização do processo. 

 

A festividade contou com uma celebração aos orixás, roda de capoeira e um almoço preparado pelos moradores. Sobre o encontro tão esperado, a professora e historiadora Miriam Aprigio Pereira, moradora do quilombo dos Luíses, comenta com alegria em entrevista ao Estado de Minas: “Foi um momento de renovação de forças, de reenergização da luta, foi um momento oportuno de reencontros. Os quilombos não podem ficar fechados em si próprios”.

 

Muita música e dança alegraram o 1º Encontro de Kilombos. (Créditos: Leonardo Ramos/Estado de Minas).

 

Tendo em vista a proximidade da inauguração de nossa nova exposição de curta duração MetropoliTRAMAS, buscamos refletir e compartilhar com vocês, leitores, um mergulho para além da superfície da região que hoje habitamos, explorando as múltiplas existências que a permeiam. Algumas delas, como conhecemos hoje, são anteriores à existência da própria capital e, quando “abraçadas” pelo crescimento urbano, se instalam uma rede de relações complexas. Venha descobrir e sonhar a cidade, suas tensões e possibilidades, a partir de 06/11, na MetropoliTRAMAS!

 

[Texto de autoria de Maria Eduarda Abreu, estudante de Jornalismo e estagiária do Núcleo de Comunicação]

 

Referências

Coleção Terras de Quilombos: Comunidade Quilombola Mangueiras 

13º edição do Projeto Expedições do Patrimônio apresenta história do Quilombo Mangueiras

Quilombo Mangueiras e a luta pela preservação de seu território na bacia do Rio das Velhas

Conhecendo o patrimônio cultural de Belo Horizonte – Quilombos 

Belo Horizonte – Quilombo Mangueiras

BH negra: conheça a história de cinco quilombos da capital

 

Para Saber Mais

Filme “Vozes da resistência: os quilombos urbanos de Belo Horizonte”