Neste momento de profundas transformações, é preciso reconhecermos que as múltiplas crises em que estamos imersos são também (talvez, antes de tudo) uma crise cultural. As respostas que damos — ou não damos — a essa crise profunda se constroem em torno de valores, modos de viver e pensar, tecidos no campo da cultura.

As universidades traduziram essas transformações em políticas educacionais e projetos acadêmicos que reconhecem a transversalidade do conhecimento na contemporaneidade, buscando a complexidade de sua produção e circulação, atravessada pelos contextos culturais. Por isso é necessário garantir o direito à cultura e reafirmarmos a universidade como instituição cultural. Importa também reconhecermos o campo artístico-cultural como parte fundamental para a produção de conhecimento, o planejamento estratégico e as ações que nos farão atravessar esse momento, fortalecidos rumo à revitalização da democracia e da justiça social.

A universidade cumpre papel essencial nesse sentido, pois mobiliza toda sua comunidade para pensar e agir na busca de respostas aos desafios contemporâneos e está profundamente engajada em seu território cultural como instituição voltada para os interesses públicos. Aberta à diversidade de sujeitos e saberes, a UFMG renova seu compromisso com a inclusão social e a abertura epistemológica. Os campos da cultura e das artes, em suas singularidades, são parte importante desse movimento de abertura. Através de diversos sujeitos de saberes e conhecimentos no campo das artes e das culturas, a UFMG encaminha outras possibilidades para a compreensão de nossos impasses e para apontar outros modos de ver e viver o mundo.

São as ações artísticas e culturais que consideramos disruptivas o suficiente para contribuir com o movimento de retomada da democracia. O recorte que essas ações promovem no espaço-tempo da vida viabilizam experiências sensíveis, que promovem, como nos diz Jacques Rancière, “a partilha do mundo comum”. O Festival de Inverno assume, portanto, esse lugar — espaço-tempo de coexistência — tecido de afetos que fazem pensar e agir no mundo.

Realizado em parceria com o 22° Congresso Internacional de Estética: Contemporary Aesthetics: Dialogues through Art, Culture and Media – ICA22 (organizado pela Associação Brasileira de Estética e que pela primeira vez aconteceu em Belo Horizonte) a International Association for Aesthetics e a UFMG; o 55º Festival de Inverno UFMG busca tratar das insurgências e das emergências que afirmam a estreita relação entre estética, políticas e culturas.

A relação entre a estética e a política nunca esteve tão evidente quanto neste momento. O ataque a Brasília em 8 de janeiro deste ano de 2023 gerou imagens impactantes de destruição real e simbólica, parte de um projeto deliberado de forças reacionárias. Obras de arte, performances e manifestações tradicionais foram e continuam sendo, nos últimos anos, alvos de ataques; que tomam formas variadas, sempre em torno de uma pauta que projeta para o país um contorno extremamente conservador (marcado por traços autoritários) e que reconhece o campo estético como campo de disputa. Portanto é urgente que o campo cultural também seja espaço-tempo para pensarmos sobre o Brasil de hoje em sua enorme complexidade, paradoxos, limites, contradições e potencialidades, o que nos impõe articular reflexões sobre os movimentos de neocolonização, neodependência, neoconservadorismo e autoritarismo, que disputam um projeto de país.

Recentemente, o filósofo Vladimir Safatle disse que há uma dimensão profunda dos embates políticos que são embates estéticos – entre formas distintas de afecções e circulação da experiência sensível. Consideramos que é preciso reconhecer e fortalecer as emergências e as insurgências de um mundo em transformação, que mobiliza as potências dos brasis profundos e dos brasis futuros; que praticam e compartilham outras economias, outras políticas, outras sociabilidades, outras poéticas; que se traduzem em outras estéticas e são parte de uma necessária reconstrução do país baseada em novos valores e pactos. O Festival de Inverno faz-se, assim, espaço de partilha por meio da reunião de corpos diversos que instauram processos poéticos de reflexão sobre saberes plurais em coexistência.

Em sua 55° edição, o Festival de Inverno UFMG compartilha imagens e ecoa vozes resistentes que se somam à emergência vigorosa dos movimentos de decolonização, afirmação do bem comum, pluralidade epistêmica e defesa da democracia, que fortalecem o país que podemos e devemos ser.

Pró-reitoria de Cultura da UFMG