À esquerda, Christian Dunker, e à direita, Gilson Iannini, autores do livro Ciência pouca é bobagem: Por que psicanálise não é pseudociência
Foto: acervo pessoal  

Para iniciar em grande estilo as comemorações de seus 25 anos de criação, o Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG vai promover a conferência Ciência pouca é bobagem: Por que psicanálise não é pseudociência, com os psicanalistas Christian Dunker e Gilson Iannini, no dia 12 de abril, às 14 horas, no auditório da Reitoria da UFMG.

O título da conferência faz referência ao livro homônimo, publicado no final de 2023 pela Editora Ubu. A obra é uma resposta ao livro Que Bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério, publicado pela bióloga e divulgadora científica, Natalia Pasternak, em parceria com o jornalista Carlos Orsi. Nessa obra, Pasternak e Orsi apresentam uma série de saberes e práticas, entre as quais a psicanálise, que, segundo os autores, não se enquadrariam no bojo da ciência, sendo limitadas pela pura vaidade de seus promotores.

Christian Dunker e Gilson Iannini argumentam que, como um livro-resposta às críticas de Pasternak e Orsi, é preciso analisar, com cuidado, a complexa relação da psicanálise com a ciência. Em texto enviado por Gilson Iannini, que é professor do Departamento de Psicologia da UFMG, são apresentadas algumas considerações acerca do que os autores pretendem tratar na conferência. Confira abaixo:

“Difundir informação científica de qualidade, especialmente em tempos de negacionismos vários, é tarefa necessária, mas não suficiente. É claro que conhecimento científico impacta nossas vidas de muitas maneiras, não apenas individualmente como também coletivamente, já que políticas públicas alicerçadas em quimeras costumam ser catastróficas. Além disso, o apoio público a essas políticas é um ingrediente indispensável no ponto em que estamos de nossas modernas – e falhas – democracias. Ganha cada vez mais força o consenso de que políticas públicas devem levar em conta evidências científicas, mas não apenas. Até aqui não é muito difícil estarmos de acordo. O problema começa quando precisamos definir, afinal de contas, o que é ciência e o que não é, ou o que é ciência verdadeira e o que é não ciência. Nesse contexto, atitudes ostensivamente não científicas, de matriz religiosa ou carismática, saberes locais e tradicionais, programas ideológicos, plataformas estéticas ou discursos metafísicos são às vezes reunidos sob o rótulo de pseudociências. Observemos que o prefixo “pseudo” aponta justamente para a negação, para o teor falso, ilusório e enganador de uma determinada prática ou pessoa.

Em filosofia da ciência, o problema de definir o que é ou o que não é ciência ficou conhecido como o “problema da demarcação”. Em linhas bastante gerais, e sem entrar em tecnicalidades desnecessárias, podemos dizer que o problema da demarcação entre ciência e não ciência, bem como a diferença entre não ciência e pseudociência, definiu a agenda de epistemólogos e historiadores da ciência, principalmente em meados do século passado, antes de cair em relativo esquecimento ou passar às margens do debate consequente. Contudo, nos últimos anos, especialmente depois do crescimento vertiginoso de negacionismos de diversos tipos – como o negacionismo histórico, que relativiza ou nega a existência do holocausto nazista ou do massacre armênio, o negacionismo científico, que nega a mudança climática, e o negacionismo sanitário, que repudia a vacinação –, o problema foi ressuscitado.

Apesar da dificuldade teórica em demarcar definitivamente o que é ciência e o que é pseudociência, parece haver consenso relativo de que coisas como criacionismo, astrologia, fotografia Kirlian, radiestesia, ufologia, teoria dos antepassados astronautas e afins possam ser consideradas pseudociência pela maior parte dos filósofos da ciência empenhados na demarcação. O principal ponto-limite do consenso é, não por acaso, a psicanálise. Seu estatuto de cientificidade sempre foi controverso. A quase unanimidade relativa à pseudocientificidade das disciplinas acima elencadas dissolve-se em debates e controvérsias, que perduram há pelo menos 100 anos. É falso dizer que haja qualquer consenso em torno da cientificidade da psicanálise, tanto quanto é falso dizer que é consenso que ela seja uma pseudociência.” – resume Iannini.

Em grande parte das críticas dirigidas à validade científica da psicanálise, o debate nunca, ou quase nunca, é sobre ciência. Por isso, mais do que defender acriticamente a cientificidade da psicanálise, os autores se aprofundam na análise do que se constitui a própria construção do conhecimento psicanalítico em relação ao conhecimento científico. Christian Dunker e Gilson Iannini propõem requalificar o debate e apresentam novas abordagens e perspectivas para enfrentar esse problema, mostrando que defender a psicanálise é, ao mesmo tempo, defender a própria ciência.

 Sobre os autores

Christian Dunker é professor do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP). É doutor e mestre em Psicologia Experimental pela USP. Concluiu pós-doutorado na Manchester Metropolitan University. É Analista Membro de Escola do Fórum do Campo Lacaniano. É coordenador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Recebeu dois prêmios Jabuti em Psicologia e Psicanálise. É autor de vários livros, colunista e criador do canal de divulgação científica Falando Nisso. Atua na pesquisa sobre clínica psicanalítica de orientação lacaniana e suas relações com as Ciências da Linguagem e com a Filosofia.

Gilson Iannini é professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em filosofia pela UFMG. Concluiu pós-doutorado sobre as relações entre ciência e literatura em Freud na Universidade de Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. É membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. É editor de mais de cinquenta livros e de várias revistas sobre filosofia e psicanálise, além de consultor de vários periódicos.

Ciclo IEAT 25 anos: pavimentando o futuro

O IEAT comemora um marco significativo em sua jornada acadêmica – seus 25 anos de contribuição à pesquisa interdisciplinar e à produção de conhecimento inovador. Por isso, o IEAT convida toda a comunidade para participar do ciclo de eventos comemorativos, os quais não apenas celebram as conquistas passadas, mas também promovem uma reflexão crítica sobre o caminho percorrido e os desafios que ainda se apresentam.

Desde a sua fundação, o IEAT se destacou como um centro de excelência na promoção da transdisciplinaridade, reunindo pesquisadores de diversas áreas do conhecimento para colaborar em projetos inovadores. Nesse sentido, os 25 anos do Instituto representam não apenas um período de realizações tangíveis, mas também um testemunho do poder transformador do diálogo entre diferentes disciplinas.

A professora Patrícia Kauark, diretora do IEAT, explica a escolha do tema de comemoração aos 25 anos do instituto. “Ao adotar o tema “Pavimentando o Futuro”, o IEAT convida a comunidade acadêmica a refletir sobre o papel da transdisciplinaridade na construção de um futuro mais justo e sustentável. Este convite não se restringe apenas aos membros da universidade, mas se estende a todos os interessados em explorar novas abordagens para os desafios contemporâneos, sejam eles de ordem científica, social, econômica ou ambiental.” – ressalta.

Neste contexto, as comemorações dos 25 anos do IEAT pretendem assumir um caráter reflexivo e prospectivo, oferecendo um espaço para o debate de ideias, a troca de experiências e a construção de novas colaborações. Por meio de palestras, mesas-redondas, workshops e outras atividades, os participantes serão convidados a explorar as interseções entre diferentes áreas do conhecimento, identificar lacunas de pesquisa e propor soluções inovadoras para os desafios do século XXI.

Para concluir, Kauark aponta o que se esperar do instituto na construção desse futuro em diálogo com o passado e o presente. “À medida que celebramos as conquistas do passado e nos preparamos para os desafios do futuro, o IEAT reafirma seu compromisso com a promoção da transdisciplinaridade como uma ferramenta essencial para a compreensão e transformação do mundo ao nosso redor. Que estes 25 anos de história sirvam como inspiração para as gerações futuras, pavimentando o caminho para um futuro mais promissor e sustentável para todos”. – destaca.