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Nº 1329 - Ano 28 - 28.11.2001

 

 

A greve e a defesa da autonomia universitária

Délcio Vieira Salomon*

greve das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), apesar das conseqüências negativas para a universidade e para a sociedade (próprias de toda greve), contabiliza saldo político sumamente positivo. Sobretudo, se se levar em conta que o discurso-ação desta greve ultrapassa a reivindicação salarial para atingir o repúdio ao projeto de universidade do atual governo. Justo por estar sendo implantado à revelia dos mais interessados, alunos e professores, falta-lhe legitimidade. Seu objetivo último é a privatização da universidade.

Alguns analistas afoitos só vêem o lado negativo da greve e fazem questão de proclamar que "a greve é um instrumento desgastado". Curiosamente, nunca constatam que desgastada tem sido a atitude de reação à greve por parte de nossos governantes. Particularmente o atual. Useiro e vezeiro em transformar toda greve em confronto, para poder apelar para as medidas de exceção e os coups de force.

A greve é a prerrogativa mais antiga da universidade, ao lado da autonomia e da liberdade de cátedra. A Sociologia ensina que uma instituição ganha em robustez e vigor à medida que fica mais velha. Isto porque é alimentada pela tradição e pela experiência acumulada.

Os governantes antigos sempre tiveram pela greve o mesmo sagrado respeito manifestado pela liberdade de cátedra e pela autonomia universitária. O que vemos hoje? Os compromissos com o neoliberalismo e as exigências do FMI têm levado o governo a sufocar os movimentos sociais ou a tratá-los como atentados à ordem pública. E, neste caso específico, a canibalizar o professor.

A greve atual tem revelado a necessidade de retomada da autonomia universitária como condição para que a universidade volte a ser a instituição legítima da produção e da transmissão do conhecimento. Historicamente, os movimentos docente e estudantil são os grandes responsáveis pela conquista da autonomia, que tanto incomoda o governo.

Postas tais premissas, é fácil entender que uma greve da universidade pública só se torna prejudicial quando, em contra-reação, o governo tenta tripudiar sobre a autonomia da universidade.

A implantação da GED é prova insofismável do desprezo governamental pela autonomia universitária, bem como pela liberdade de ensinar e pesquisar. Ao deparar com a reivindicação capital dessa greve - a incorporação das gratificações GED e GID ao salário - o ministro da Educação veio a público para declarar: "incorporar a GED e GID é ir contra a política do governo para a universidade". Pasmemo-nos!

Bastou que a greve recrudescesse, FHC baixou um pacote inconstitucional, verdadeiro AI-6, típico de um ditador, cujo objetivo manifesto é acabar com o direito de greve, ou seja, com o sagrado direito pacifista de dizer não aos erros e exorbitâncias do governante. Por estar pondo a nu as ações deletérias contra a universidade, esta greve, independente de seu desfecho, já mostrou ter sido o fato político de que a universidade e a sociedade há muito careciam.

* Professor aposentado da UFMG e 1º Secretário da Apubh

 


Pacote de volta*

Jânio de Freitas**

pacote para tornar impraticável o direito de greve, reconhecido pela Constituição ao funcionalismo civil, restabelece, inclusive com o retorno da "demissão coletiva" como represália, o espírito e a finalidade da legislação vigente na ditadura e derrubada em 88 na Constituinte. Mas o recurso ao autoritarismo não está exprimindo a força do governo e, sim, o seu oposto: o sentimento desesperante de estar acuado pela própria incompetência para lidar com as greves e solucioná-las.

O governo fez a radicalização ao contrário. Contra si mesmo. Incapaz de compreender que greves são fatos democraticamente convencionais, o governo lança medidas que lhe prometem, acima de tudo, a reprovação no Judiciário, de onde partiram, por vozes representativas, interpretações de inconstitucionalidade do pacote tão logo Fernando Henrique Cardoso o lançou.

A uma semana de completar três meses, a greve dos professores das 56 universidades federais é particularmente comprometedora para o "governo dos professores", e não lhe faltam referências na imprensa estrangeira. Na divulgação do pacote e naquilo mesmo que o compõe, ficou claro que a greve dos professores foi motivação do governo. Nela mesma está a evidência da motivação dirigida para mais problemas governamentais.

Nesse sentido, por exemplo, contratar professores universitários sem concurso, para substituir os ausentes por greve, exigiria muito mais do que o pacote pôde alcançar. Além das razões de ordem legal e constitucional, porque os alunos estão apoiando as reivindicações dos professores, nas quais o problema salarial não tem predominância. As manifestações públicas pela greve têm sido puxadas pelo corpo de alunos, e é compreensível que assim seja: os alunos são os primeiros interessados em sustar o definhamento das universidades.

Em nenhum momento o governo agiu de boa-fé na greve dos professores. Quando, demonstrada a inutilidade da prepotência primária do ministro Paulo Renato Souza, prosperou uma fórmula de acordo na Câmara, o líder governista Arnaldo Madeira, do PSDB de São Paulo, torpedeou a solução. Mais recentemente, o governo mandou um projeto ao Congresso com uma pretensa solução, mas só para produzir a aparência pública de sua iniciativa: trata-se de medida já descartada nas negociações.

Na greve da Previdência o governo teve ao menos um êxito: conseguiu que a mídia finja que não existe a greve. E com o movimento de greve no Banco Central já começa o mesmo tratamento, mas, nesse caso, interesses financeiros graúdos são incomodados.

Se o autoritarismo fosse solução, Fernando Henrique Cardoso não teria chegado à Presidência, onde estariam ainda os presidentes militares. Isso não é tão difícil de compreender, mesmo para alguém do PSDB.

* Artigo publicado na Folha de São Paulo de 15 de novembro

** Jornalista