Busca no site da UFMG
Nš 1496 - Ano 31
18.08.2005




"Todo conhecimento nasce na universidade"
Foca Lisboa
Israel Vargas: universidade não está preparada para transformar idéias em produtos

Ludmila Rodrigues

inistro da Ciência e Tecnologia dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, o professor José Israel Vargas discute, nesta entrevista ao BOLETIM, o papel da universidade no desenvolvimento da ciência e tecnologia, o processo de maturação das inovações tecnológicas e a interação academia-setor produtivo. "Todo conhecimento nasce na universidade", afirma Vargas, que esteve na semana passada na UFMG para proferir palestra sobre as Aplicações de um modelo matemático simples ao desenvolvimento científico. Professor catedrático do ICEx, Israel Vargas dirigiu o Instituto de Pesquisas Radioativas, da Escola de Engenharia da UFMG (atualmente, Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear), uma das primeiras instituições brasileiras a dedicar-se inteiramente à área nuclear. Vargas também integrou o Conselho Executivo da Unesco, onde atuou por quase dez anos, inclusive como presidente no biênio 1987-1989..

Qual a importância de a universidade ampliar sua participação nas inovações científicas e tecnológicas que geram riqueza e desenvolvimento?

A primeira constatação é de que todo conhecimento nasce na universidade. Fala-se muito na conexão da universidade não só com a invenção _ o seu papel tradicional _ e com a criação de conceitos, paradigmas e conhecimentos sobre a natureza e a sociedade, mas também sobre o papel dela na inovação. Esse binômio invenção-inovação deve prevalecer. A transformação de uma invenção numa inovação é longa e complexa, porque, diferentemente da invenção _ da descoberta científica que não tem compromissos maiores a não ser o enriquecimento intelectual da humanidade _ , a inovação deve atender às necessidades da sociedade sob a forma de produtos e serviços. Lançar um novo produto ou um novo serviço é um processo complicado por uma série de razões. E a universidade não está preparada pra isso.

Por quê?

Na maioria dos casos, ou talvez em todos, a universidade é incapaz de produzir o pacote completo: a montagem do projeto, que vai desde os resultados da experimentação de bancada até a sua aceitação pelo mercado, passando por avaliação técnico-econômica, design e publicidade do produto. E é curioso que a própria universidade não reflita sobre este complexo, esta seqüência indispensável, longa, difícil, complicada, de transformar uma idéia ou uma descoberta nova num produto. De cada mil patentes, somente uma é explorável por uma empresa e gera produto novo. A mortalidade das idéias técnicas é muito alta, e a única maneira de lançar um número maior de produtos é preparando mais invenções,
mas sempre com a consciência de que a taxa de sucesso é bastante limitada.

E quais são os caminhos para reverter esse quadro?

É preciso não só restabelecer, mas aumentar os investimentos em ciência e tecnologia. O investimento brasileiro em ciência e tecnologia é pouco superior a 1%, frente aos 2% ou 3% dos países industrializados e inferior até ao dos países em desenvolvimento, como China, Índia e Coréia. Para isso, incentivos são necessários. A sensibilidade do empresário está na sua algibeira. Então, é preciso induzi-los a investir. Por outro lado, a universidade vive um problema complicado, ela precisa expandir e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade. Freqüentemente, essas duas coisas são incompatíveis. Um crescimento exagerado sem um investimento correspondente pode até trazer alguma melhoria, pela ampliação do sistema de educação, mas essa melhoria, em geral, não basta. É preciso ser ótimo. No mundo atual, a capacidade de competir exige que, em alguns campos, não sejamos apenas bons, mas os melhores.

Durante sua gestão no MCT, a Lei de Patentes foi modificada. Qual sua principal característica?

Ela passou a reconhecer direitos nas áreas de alimentos, produtos farmacêuticos e químicos que não eram anteriormente cobertos pela legislação, pois, diferentemente do esperado, a lei anterior não gerou qualquer desenvolvimento científico e tecnológico para a sociedade brasileira. Em realidade, o custo da patente é de 2% sobre o faturamento bruto. Acompanhando a nova lei, formulei decreto presidencial que definiu a participação do pesquisador, da Universidade e do Departamento nos eventuais resultados da exploração econômica de patentes obtidas com recursos públicos. O decreto destinava, respectivamente, 40% para o inventor, 20% para o laboratório e o restante para a universidade.

Qual o papel da universidade em relação aos depósitos de patentes?

Eu acho que a universidade tem um papel extremamente importante, sobretudo, de tornar conhecida a lei de patentes e o seu emprego não só pelos pesquisadores, mas pela indústria nacional. Muita coisa se perde por falta de conhecimento e de difusão. Eu tenho certeza de que muitos dos meus colegas têm vaga noção dos seus direitos sobre inovações geradas nas universidades que resultaram em patentes. Durante minha gestão como ministro da Ciência e da Tecnologia, foi produzido um decreto que definia quem era proprietário de direitos de invenção gerados com dinheiro público, por exemplo, dentro da universidade. Isso é um estímulo para que os pesquisadores tenham consciência da importância econômica de seus trabalhos. Esta é uma lei de grande sucesso, graças à qual foi possível e está sendo possível, por exemplo, não pagar direitos de patentes sobre drogas fabricadas no Brasil para o combate à Aids. Quando propus a lei, houve certa reação do ministério. Um dos meus colegas me disse: "Você está querendo transformar os pesquisadores em milionários". "É verdade", eu disse. É isso mesmo que eu quero. Criar um estímulo para a pesquisa, até porque a universidade não produz nada para vender. Ela não é indústria ou casa de comércio. A Universidade vai transferir esse conhecimento às empresas, preferencialmente nacionais, para que elas produzam em larga escala.