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Nº 1543 - Ano 32
14.08.2006

Microeletrônica e a Universidade

Wagner Rodrigues*
Diógenes Cecílio da Silva Júnior**



importância da microeletrônica na vida moderna é fato inconteste. Do celular ao computador, do automóvel à lavadora de roupas, praticamente qualquer equipamento pode conter algum circuito eletrônico integrado (CI). Os avanços na compreensão da física da matéria condensada, em especial dos materiais semicondutores em meados do século 20, permitiu a invenção do transistor, que causou a revolução da miniatuarização e barateou dispositivos eletrônicos. A idéia de avançar ainda mais na miniatuarização, colocando circuitos inteiros em uma pequena placa de silício levou à invenção do circuito integrado e seu lançamento comercial ainda no começo da década de 60. De lá para cá, a quantidade de elementos colocados juntos em um circuito integrado dobra a cada 24 meses, em um comportamento conhecido como Lei de Moore, ainda válida após quatro décadas. Hoje um processador de computador pessoal tem cerca de 100 milhões de transistores e permite que a revolução da informação transforme de maneira radical a vida na sociedade moderna. Vivemos a era do silício, a era da microeletrônica.

A indústria de microeletrônica é talvez a que mais demanda alta tecnologia e que se atualiza continuamente. Diversos processos produtivos são utilizados desde a obtenção do silício e da definição dos transistores num disco de silício puro até o encapsulamento para uso final. Nos últimos 15 anos, a menor dimensão em um CI reduziu de um milionésimo para cerca de uma dezena de bilionésimo de metro. A disponibilidade de centenas de milhões de transistores em uma lasca de silício permite que sistemas computacionais completos possam se integrar em um único circuito. Isso significa que um CI desta capacidade é descrito por mais de 1 bilhão de objetos, o que demanda complexas ferramentas de auxílio ao projeto destes circuitos e a contínua atualização de metodologias de projetos para circuitos cada vez mais complexos. Um único profissional não é mais capaz de projetar um CI deste tamanho; as ferramentas para fabricá-lo são sofisticadas e caras. Mas desenvolver a capacidade de produzir circuitos integrados desde sua concepção até a sua materialização não tem preço.

O mercado mundial de microeletrônica movimenta cerca de 500 bilhões de dólares por ano, cifras superiores às das indústrias automobilística e de petróleo. E o Brasil participa desse mercado essencialmente como comprador. Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia, nosso déficit na balança comercial de produtos elétricos e eletrônicos em 2005 foi de cerca de US$ 7,36 bilhões. Em componentes de microeletrônica, esse valor é de cerca de US$ 3 bilhões.
O Brasil já teve uma indústria de microeletrônica. No final dos anos 80, havia 23 indústrias no país atuando em microeletrônica, mas apenas uma produzia circuitos integrados. Em meados da década de 90, esse setor praticamente desapareceu, restando hoje apenas quatro empresas no setor. As razões para a extinção em massa são várias, como as crises econômicas e a ausência de pesquisa científico-tecnológica que desse sustentação ao setor, que demanda investimentos contínuos em pesquisa e desenvolvimento, além de uma política industrial minimamente séria. Hoje é consenso que perdemos esse bonde.

No entanto, os governos federal e estadual resolveram se mexer, e microeletrônica é hoje área prioritária de desenvolvimento, para a qual se projeta um faturamento de cerca de US$ 10 bilhões em 2014. Para isso, ações nas esferas tecnológica, industrial e legal estão sendo delineadas. Na esfera tecnológica, a formação de recursos humanos, hoje escassos no Brasil nessa área, e a inovação são vistas como missões das universidades.
Recentemente os ventos de ações governamentais visando à implantação de um Pólo de Microeletrônica nos arredores de Belo Horizonte chegaram até à UFMG. A proximidade com o futuro Pólo e a existência de um corpo de pesquisadores atuando em temas afins à microeletrônica, já há duas décadas, nos habilitam a atender à demanda de formação de pessoal qualificado para atuar nas plantas industriais em implantação, bem como desenvolver a pesquisa necessária à manutenção do Pólo. O apoio do Estado e a maturidade científica conquistada pela nossa instituição nos dão alguma chance no cenário mundial, hoje dividido em nichos bem específicos.

A estratégia para constituição do Pólo começa com a implantação, em breve, de uma fábrica de chips em Confins, a Companhia Brasileira de Semicondutores (CBS). Essa companhia é formada pela associação de grupos nacionais e estrangeiros e visa a fabricar circuitos integrados para atender necessidades específicas de clientes industriais do mercado internacional. O surgimento de outras empresas do setor de microeletrônica no entorno da organização-âncora levará à consolidação do Pólo de Microeletrônica. A sinergia do processo, com a CBS permitindo que outras empresas de base tecnológica se instalem, e a existência destas garantindo um ambiente propício à CBS, representam o círculo virtuoso que o governo espera que aconteça. Para isso, além do apoio à universidade, outras medidas de caráter fiscal e logístico foram tomadas favorecendo esse cenário.

A iniciativa se reveste de inovações quando comparada às ações do passado, pois é consenso que a participação da universidade no processo não é apenas bem-vinda. É essencial. Esperamos um grande envolvimento naquilo que é a nossa principal missão: formar pessoal de alta qualificação que atuará no Pólo. Além disso, desejamos que a pesquisa aqui desenvolvida se desdobre em inovações e em novos empreendimentos industriais de base tecnológica no setor de microeletrônica e afins.
Há uma enorme torcida para que o Brasil tenha sua indústria de microeletrônica de volta. O Estado está fazendo seu papel; a Universidade também.

* Professor do Departamento de Física do ICEx
** Professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia

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