Busca no site da UFMG

Nº 1591 - Ano 34
19.11.2007

Literatura rima com ruptura

Itamar Rigueira Jr.

O jornalista e escritor Bernardo Carvalho conversou com a comunidade universitária no último dia 7 de novembro, no Auditório da Reitoria, sobre a Experiência da Ficção. O evento integrou o ciclo Sentimentos do Mundo, promoção vinculada às comemorações dos 80 anos da Universidade. Carvalho, que já recebeu prêmios como o Jabuti, é autor, entre outros, do livro de contos Aberração (1993) e dos romances Onze (1995), Teatro (1998), Nove noites (2002), Mongólia (2003) e O sol se põe em São Paulo (2007). Confira alguns trechos da conferência e de entrevista do autor concedida ao BOLETIM.

Foca Lisboa
bernardo_carvalho
Carvalho: viagem como artifício literário

Jornalismo e literatura

“Jornalismo é uma coisa e literatura é outra”. Ex-repórter, editor e correspondente internacional da Folha de São Paulo, Bernardo Carvalho avalia que talvez o jornalista tenha influenciado o escritor, mas não na linguagem. A influência do jornalismo estaria associada à experiência de vida. “Tive contato com coisas que eu não teria de outra forma. O jornalismo me pôs um pouco no mundo, e isso é enriquecedor”. Para ele, há diferenças significativas entre as linguagens: “Na literatura, algumas frases baixam em mim. Às vezes, o núcleo do romance está nessas frases, que não domino conscientemente. Elas aparecem na minha cabeça, eu reproduzo e não sei direito o que querem dizer. Mas no final me dou conta de que são as frases mais ricas do romance”.

Lugar inóspito

“O Brasil é um país estranho, e quanto mais você se dá conta disso, mais deprimido fica. Tem uma farsa na educação, é realmente um país de analfabetos. Fora isso, tem uma elite grosseira, pouco culta e arrogante”. A partir dessa análise, Bernardo comenta que escrever no Brasil e conseguir sobreviver, não materialmente, mas espiritualmente, é um exercício constante de auto-convencimento. “É preciso achar sentido onde não há. O Brasil é um lugar inóspito para a literatura”, dispara.

Viagens com risco

A viagem, para o escritor Bernardo Carvalho, é a procura do “risco absoluto”, a que está exposto sobretudo quando se vê sozinho num ambiente estranho. “Este é o único lugar possível para a criação literária verdadeira”, afirma. Para criar, Bernardo escapa da idéia de identidade nacional, busca a situação em que não compreende as pessoas nem é compreendido com facilidade, em função mesmo da barreira da língua. “É preciso que eu esteja vulnerável. Me ponho fora do lugar seguro, e tenho de refazer todas as minhas certezas. A literatura nasce desse lugar”, explica.

Ao contrário do gênero de literatura que transforma a viagem em relato, Bernardo Carvalho diz que procura no ambiente estranho uma experiência que não é passiva. “A viagem é feita já como literatura, ela própria é um artifício, é como se criasse situações propícias para as coisas acontecerem, e é interessante como acontecem”, prossegue o escritor.

A propósito, ele contou experiências recentes envolvendo ameaças de assaltos em São Petersburgo, onde esteve por um mês para escrever uma história de amor encomendada e que pode virar filme. A insegurança e o terror que viveu, e que não procurou evitar nas semanas seguintes, apesar de se confessar “medroso e paranóico”, eram exatamente o que precisava para compor o personagem central.

Ficção

No início da carreira, Bernardo percebeu que as pessoas preferem histórias baseadas em fatos reais, mas não era isso que ele queria. Ao buscar um tema, descobriu a história do antropólogo americano Buell Quain, que se suicidou em 1939, quando pesquisava os índios Krahô, no norte do atual Tocantins. “Passei a trabalhar como jornalista, como detetive, mas não cheguei muito longe. Então me lembrei que queria era fazer ficção” conta.

Foi aí que sua própria história se encaixou na trama do romance: vieram à cabeça todas as memórias de suas viagens de férias com o pai, que tinha uma fazenda na Amazônia. “Foi como se o livro estivesse pronto desde sempre, construí a história muito rápido”, acrescenta, referindo-se a Nove noites, publicado em 2002 e que recebeu o prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira. A obra foi indicada ao Vestibular 2005 da UFMG.

Ruptura

Formado em ambiente onde imperavam os princípios da arte moderna, Bernardo disse que a arte verdadeira deve estar baseada na ruptura e não na tradição. De acordo com sua própria definição, ele escreve combinando “uma língua pobre e uma estrutura complexa”, e sua prosa tem negado a idéia mais convencional de beleza, ligada ao elemento poético. Para ilustrar essa questão, ele relatou episódio envolvendo a tradução de um de seus livros na Europa. Na França, a obra alcançou algum sucesso, mas na Inglaterra teve pouquíssima receptividade.Ele descobriu que a tradutora para o francês floreou o texto, enquanto o responsável pela versão em inglês foi fiel ao estilo. “A literatura não é reconhecida se não segue a tradição, é como se não houvesse outra intenção numa prosa mais simples”, disse.

Bernardo acrescentou que o valor da arte está “no dissenso, no desvio, e não no consenso, este ligado à noção de confraria, cujos integrantes estão interessados em defender uns aos outros”. A ruptura com a tradição é perfeitamente representada, na visão do escritor, pelo japonês Junishiro Tanizaki, cuja produção se concentrou na primeira metade do século 20 e desafiou a tradição literária japonesa, entronizando temas como obsessões sexuais. “É fascinante a força do autor que afirma uma subjetividade singular, ainda que possa não ser bem recebido”, enfatizou o escritor.