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Nº 1602 - Ano 34
26.03.2008

Novo mutante

Pesquisa identifica gene relacionado a doença do movimento

Ana Maria Vieira

Mutação em gene que regula resposta ao estresse celular e a inflamações pode ser a causa de uma síndrome que reúne sintomas de distonia e parkinsonismo. A conclusão integra estudo da pesquisadora e médica da UFMG Sarah Teixeira Camargos, publicado recentemente na revista Lancet Neurology, que também dedicou-lhe editorial. “Foi como encontrar agulha no palheiro”, resumiu Sarah sobre o processo de trabalho, que envolveu a análise de 1,2 milhão de bases químicas da região do genoma onde foi encontrada a mutação.

O material genético, recolhido durante um ano – de junho de 2005 a junho de 2006 – , é oriundo de 120 pacientes (provenientes de aproximadamente 80 famílias) atendidos no Laboratório de Movimentos Anormais do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade. Todas apresentavam sintomas de distonia e parkinsonismo por questão hereditária. De acordo com Sarah, esse fator a impeliu a buscar fundamentos genéticos para as doenças manifestadas pelo grupo. “No início, procurei problemas em genes já descritos pela literatura científica relacionados a tais distúrbios”, relembra. O trabalho rendeu frutos e, em 2007, foi premiado pela Academia Americana de Neurologia ao localizar mutações ainda não relatadas nos mesmos genes.

Em diversas famílias do grupo, no entanto, a pesquisadora não verificou a ocorrência de qualquer alteração. O fato a intrigou. “Imaginei que poderia haver um novo gene associado às doenças e levei o material para os Estados Unidos, onde fiz mapeamento do genoma desses indivíduos no Laboratório de Neurogenética do Instituto Nacional do Envelhecimento”, conta. A hipótese confirmou-se para três famílias dos pacientes. “Eles descendiam de sucessivos casamentos consangüíneos e apresentavam miríade de sintomas que não respondiam a terapêuticas convencionais para distonia e parkinsonismo”, observa a médica.

Nessas famílias, explica Sarah, a doença se manifesta de modo diferenciado e em idade precoce. “Geralmente, o indivíduo possui distonia, forma de contração muscular involuntária e repetitiva que atinge o pescoço e o tronco e provoca postura anômala do corpo”, relata. Os portadores da síndrome apresentam ainda sintomas pré-parkinsonianos, como rigidez e lentidão dos movimentos, além de problemas na deglutição e fala. Uma alteração característica é a da mímica da face, em que os indivíduos parecem estar sorrindo de modo sardônico.

Para localizar o mutante, Sarah realizou reações com 550 mil marcadores gênicos. “Como acreditava que a doença tinha origem recessiva, o seqüenciamento permitiria identificar alterações na estrutura do DNA, como falhas e duplicações em suas porções”. De fato, ela encontrou traços de homozigose no cromossomo 2 dos pacientes. “A região, extensa, comportava 12 genes, e em qualquer um deles poderia haver mutação”, relata. A homozigose ocorre quando o indivíduo herda do pai e da mãe os dois alelos recessivos que codificam a doença.

O passo seguinte consistiu em mapear a região do cromossoma afetado. “Seqüenciamos cada um desses 12 genes, comparando-os ao de pessoas saudáveis. Eram mais ou menos mil pedacinhos de genes, com 300 a 400 pares de bases (CT, GA), e os meus colegas norte-americanos tiveram de me ajudar”, acrescentou. Nos Estados Unidos, o trabalho foi coordenado por Andrew Singleton e John Hardy.

Foca Lisboa
Sara
Sarah Camargos: trabalho premiado pela Academia Americana de Neurologia

 

Estresse celular

Denominado PRKRA, o gene, e sua mutação localizada na região DYT16, deve abrir nova etapa para o conhecimento da doença no meio científico. Conforme explica a pesquisadora, até então haviam sido descobertas 15 alterações genéticas relacionadas a distonias hereditárias. Mas apenas o DYT1 estava associado ao estresse celular. “Esse processo não advém de fatores externos. Ele decorre de falhas em mecanismos através dos quais a célula mantém sua homeostase, isto é, regula seu equilíbrio e a ocorrência de oxidação", ressalta.

A próxima etapa da investigação também deverá ser realizada nos Estados Unidos, devido à maior disponibilidade tecnológica e de recursos financeiros, antecipa Sarah Camargos. Ela será dedicada à análise funcional da doença. “Queremos saber como o gene mutante produz o distúrbio na célula para tentar bloquear o mecanismo e criar terapêuticas”, revela. O fundamento genético da doença foi confirmado por teste em grupo de controle envolvendo cerca de mil pessoas em todo o mundo – incluindo familiares das três famílias portadoras do distúrbio e moradores de seus municípios de origem, em Minas Gerais: Dores de Guanhães, Bom Despacho e Pará de Minas.

“Não encontramos alterações em mais de mil controles, logo, não parece ser fruto do acaso o fato de a doença ter origem nessa mutação gênica específica”, diz Sarah. O estudo é parte da tese de doutorado que deverá defender em abril, sob orientação do professor Francisco Eduardo Cardoso, do departamento de Clínica Médica da Faculdade. Coordenador do Laboratório de Movimentos Anormais do HC, ele acompanha, desde 1993, o denominado caso índice, primeiro paciente conhecido a apresentar a doença, que hoje está com 34 anos. “Isso revela o papel crucial da assistência médica no HC, que, além de prover cuidado às pessoas, gera dados científicos relevantes”, avalia Francisco Cardoso.