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Nº 1602 - Ano 34
26.03.2008

Alergia compromete metabolismo,
revela pesquisa da UFMG

Foca Lisboa
Meninas
Jacqueline, Denise e Ana Cristina: estudo pode abrir novas frentes na prática clínica

Estudo foi realizado com camundongos alérgicos,
que apresentaram elevada concentração de colesterol na circulação sangüínea

Leite de vaca, ovos, soja, trigo, amendoim, peixes, castanhas e crustáceos causam as mais variadas reações alérgicas, como coceiras e empolamento. Até aí nenhuma novidade. Tanto que pessoas alérgicas são orientadas a evitar tais alimentos. Mas uma pesquisa realizada na UFMG indica que a alergia tende a ir bem além das incômodas erupções na epiderme. Ela pode causar transtornos ao metabolismo e influenciar diretamente no surgimento da aterosclerose , inflamação crônica que afeta as artérias, vasos sangüíneos condutores de oxigênio aos órgãos do corpo.

A doença – e sua relação com a alergia alimentar – é o tema da dissertação Associação entre alergia alimentar e aterosclerose em camundongos, defendida pela pesquisadora Ana Cristina Gomes Santos, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência de Alimentos da Faculdade de Farmácia da UFMG. A pesquisa, que durou um ano e meio, utilizou cerca de 40 camundongos, separados em dois grupos. O grupo de controle era formado por camundongos selvagens, nos quais a alergia foi induzida. Já o segundo reuniu animais geneticamente modificados para serem propensos à aterosclerose e que também se tornaram alérgicos. Essa modificação genética foi realizada no receptor de LDL, que capta o “mau colesterol” para o interior das células com vistas à produção de hormônios esteróides e constituição da membrana celular, entre outras funções fisiológicas.

A pesquisa é parte de estudo mais abrangente desenvolvido por grupo coordenado pelas professoras Denise Carmona Cara, do departamento de Patologia Geral, e Jacqueline Alvarez Leite, do departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). A professora Denise Carmona, co-orientadora do trabalho de Ana Cristina, estuda a alergia alimentar e suas alterações metabólicas no organismo dos animais. Jacqueline Alvarez, por sua vez, investiga o efeito de doenças inflamatórias na aterosclerose e a dislipidemia, aumento anormal da taxa de gorduras (ou lipídios) no sangue, fator de risco para a aterosclerose.

A aterosclerose é um tipo de arteriosclerose, termo genérico usado para definir o espessamento e
endurecimento da parede arterial. É caracterizada pelo depósito de gordura, cálcio e outros elementos na parede das artérias, reduzindo seu calibre e provocando déficit sangüíneo nos tecidos por elas irrigados. A doença manifesta-se clinicamente em 10% da população acima de 50 anos e seu desenvolvimento é lento e progressivo. Os primeiros sintomas só aparecem quando há obstrução de 3/4 do calibre das artérias, fato que dificulta o tratamento.

Luta contra o colesterol

Segundo a literatura médica, a aterosclerose possui dois componentes principais: um é o acúmulo, na circulação sangüínea, do colesterol LDL, popularmente conhecido como “colesterol ruim”. O segundo decorre do primeiro: como há excesso de LDL no sangue, o próprio organismo tenta controlar esse aumento a qualquer custo, sendo justamente este esforço a causa do processo inflamatório. A principal conseqüência da patologia é o infarto do miocárdio.

Existem dois tipos de colesterol em circulação no plasma sangüíneo: o HDL (do inglês High Density Lipoprotein, Lipoproteína de Alta Densidade), conhecido como “colesterol bom”, e o LDL (Low Density Lipoprotein ou Lipoproteína de Baixa Densidade), popularmente chamado de “colesterol ruim”. Altos índices de HDL diminuem os riscos de ataques cardíacos. Grandes quantidades de LDL estão relacionadas ao surgimento da aterosclerose.

Por meio da pesquisa, observou-se que camundongos alérgicos acumulavam grande concentração de colesterol total na circulação sanguínea e perdiam gordura abdominal, indícios claros de modificação no funcionamento do organismo.”Como a alergia também altera o metabolismo, e a aterosclerose tem relações com esse quadro de mudanças, queríamos perceber se existia ou não a relação entre a aterosclerose e a alergia”, relata Ana Cristina.

A pesquisa também constatou que o processo alérgico causou diminuição do HDL, o “colesterol bom” do sangue. Segundo Ana Cristina, essa baixa é fator que aumenta as chances de aparecimento da aterosclerose. “Novas investigações devem ser realizadas, até porque não é possível prever que os resultados alcançados até agora com camundongos se repitam entre seres humanos".

As pesquisas com camundongos serão aprofundadas, mas o grupo também planeja averiguar, em seres humanos, alterações no perfil lipídico de pacientes com alergias e até mesmo descobrir se as alergias estão associadas à aterosclerose e ao infarto em humanos. Essa linha de investigação pode, inclusive, abrir novas frentes na prática clínica. “Hoje, não é comum um médico investigar os níveis de colesterol em um paciente com quadro de alergia alimentar. Essa descoberta pode gerar novos procedimentos”, conclui a pesquisadora.

Dissertação: Associação entre alergia alimentar
e aterosclerose em
camundongos
Autora: Ana Cristina Gomes dos Santos
Orientadora: Jacqueline
Alvarez Leite
Co-orientadora: Denise
Carmona Cara
Defesa: outubro de 2007, junto ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência
de Alimentos da Faculdade
de Farmácia