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Nº 1605 - Ano 34
14.04.2008

Responsabilidade e serenidade

* Oriane Magela Neto

Os graves acontecimentos que tiveram lugar na noite do dia 3 de abril último, no Instituto de Geociências, devem ser, como têm sido, objeto de claro e insofismável repúdio por parte de todos que prezam a autonomia universitária. Seja devido à inaceitável violência ocorrida, seja em virtude da invasão indevida num espaço de natureza estritamente acadêmica, o que esteve sob ameaça é o próprio ethos da Universidade.

Embora já relativamente distante no tempo, o período ditatorial vivido no Brasil, com todas as mazelas inerentes aos regimes autoritários, está presente na nossa memória. Portanto, é também à luz do que vivemos nos anos cinzentos que cabe protestar, com firmeza, contra as agressões sofridas pelos nossos estudantes. É legítimo esperar da comissão de sindicância, prontamente constituída, os procedimentos necessários ao cabal esclarecimento dos lamentáveis acontecimentos acima citados.

Estou certo, e a comunidade universitária também, de que a comissão agirá com o rigor e a lisura apropriados, afastando, por um lado, o que houver de infundado ou falso e, por outro lado, indicando claramente as responsabilidades. O trabalho desta comissão é, neste momento, absolutamente essencial para o bom andamento da vida institucional e para o pleno restabelecimento da normalidade universitária. As discussões acaloradas que estamos presenciando são típicas de uma comunidade viva, o que não quer dizer que devamos concordar com atitudes e condutas que excedem, de muito, o âmbito da convivência democrática.

Devemos reafirmar, sobretudo em horas como estas, a nossa permanente confiança nas instâncias colegiadas maiores, espaços nos quais estão dadas as condições de resolução dos inevitáveis conflitos constitutivos de instituições complexas como a Universidade Federal de Minas Gerais. Que sejam garantidos, como, de fato, atesta a história desta Instituição, o debate livre e aberto e o posicionamento argumentado. Em circunstâncias mais rotineiras, o exercício democrático é, também, mais facilmente praticado. Entretanto, a efetiva tradição democrática, a que alimenta o ethos das grandes instituições, é forjada nos momentos em que a tensão cresce.

Os ideais que ordenam nossa Instituição, duramente construídos ao longo da história, talvez nunca tenham estado tão ameaçados quanto nos anos da ditadura militar. Mas, não nos esqueçamos, foi também nestes anos que se robusteceram. Não nos esqueçamos – professores, alunos e funcionários – que, sob as inevitáveis diferenças que nos separam, se impõe o compromisso de defender, sempre, o que a Instituição tem de melhor. Se fomos capazes de reagir, e seremos sempre, ao que, vindo de fora, ameaça a Universidade, como os acontecimentos de 3 de abril último, é ainda mais importante que na condução de tudo o diz respeito à hora grave que vivemos sejam reafirmados, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista acadêmico, os valores maiores da Universidade.

É preciso lembrar que a história do movimento estudantil – reverenciado nestes 40 anos de rememoração dos acontecimentos de 1968 – tem aqui também sua atualização. A indignação juvenil contra o arbítrio e a opressão que vigoravam naqueles anos de chumbo era sustentada pela esperança em dias melhores e pela generosidade expressa em “duas mãos e o sentimento do mundo”. Os estudantes que, na semana passada, manifestaram seu inconformismo com a violência sofrida precisam também demonstrar que a democracia é construída na convivência com a diferença, no respeito aos valores institucionais e no zelo pelo patrimônio público. Somente assim seremos capazes de construir um mundo mais justo, uma sociedade mais fraterna e de honrar, de maneira permanente, a memória daqueles que nos antecederam na vida universitária e na luta contra a violência e a opressão.

* Professor associado do departamento de Engenharia Elétrica da UFMG

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