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Nº 1605 - Ano 34
14.04.2008

A um passo da cura

Pesquisadores da UFMG identificam tratamento para
a dengue

Ana Maria Vieira

Paulo Cerqueira
Mauro Teixeira e pesquisadoras-ICB
Danielle, Mauro e Lirlândia: terapia atua como antidoença

O bloqueio da ação de molécula produzida pelo sistema imune e cujo papel consiste em recrutar leucócitos durante processos inflamatórios é a estratégia terapêutica contra a dengue que um grupo de pesquisa da UFMG acaba de testar com alto índice de sucesso. Ensaios pré-clínicos iniciados há cerca de dois anos em modelos animais mostram que, com o novo tratamento, 70% das cobaias infectadas pelo vírus tipo 2, o mesmo da epidemia em curso no Rio de Janeiro, não desenvolvem a doença. O restante contrai a modalidade branda da dengue e quando sobrevém morte, ela é tardia.

“A terapia que desenvolvemos não impede a infecção pelo vírus, mas atua como antidoença, revertendo todos os sintomas e evitando a evolução do quadro clínico típico da dengue”, informa o professor do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, Mauro Martins Teixeira, coordenador dos estudos. O trabalho, desenvolvido em conjunto com as professoras Danielle da Glória de Souza, do departamento de Microbiologia do ICB, e Lirlândia de Sousa, do Coltec, será publicado brevemente em revista científica internacional e já é considerado por pesquisadores da própria UFMG como a mais eficaz proposta já surgida no meio científico para combater a doença.Apesar de trazer dados específicos sobre testes pré-clínicos, o artigo mostra fortes evidências da aplicabilidade da terapia em curto prazo para humanos, especialmente em função de dois fatores.

Um dos aspectos facilitadores para essa transposição reside no fato de o método se valer de fármaco com uso na área médica já testado clinicamente e que não produz efeitos colaterais em humanos. “Ele foi desenvolvido nos anos 80, mas não existe como medicamento disponível em farmácia, pois não apresentou eficácia para a asma, deficiência para a qual foi formulado”, relata Teixeira. Ele estima que, como os testes toxicológicos da substância já se encontram concluídos, e novos ensaios são necessários apenas para o contexto da dengue, o uso para a população poderá ser viabilizado em um ano.

De acordo com o pesquisador, esse fármaco, administrado por via oral, atua como antagonista do receptor do Fator Ativador de Plaqueta (PAF, sigla em inglês para Platelet Activator Factor). Isso significa que ele é capaz de inibir a ação do receptor dessa molécula de lipídeo. Em decorrência de lesões sofridas pelo organismo, como aquelas causadas pelo vírus da dengue, o PAF é rapidamente produzido pelo sistema imune.

Sua tarefa é atuar como mediador químico responsável pelo recrutamento de leucócitos nas respostas inflamatórias de defesa do corpo.Teixeira ilustra a ação do antagonista da molécula da seguinte maneira: “imagine colocar um chiclete na entrada da fechadura; a chave, que é o PAF, não entra. E se ele não entra, o receptor, representado pela fechadura, não é ativado. Assim, nenhum sinal é enviado para dentro da célula”. No caso da dengue, as manifestações clínicas da infecção não se desenvolvem.

Outro aspecto salientado pelo pesquisador, sobre semelhanças do papel do mediador em organismos humano e animal, origina-se de evidências demonstradas pela literatura científica. Conforme explica, já se sabia que o PAF induz sintomas que se assemelham aos da dengue, ao ser injetado em animais e seres humanos. “Nosso grupo desenvolveu estudos sobre esses tipos de mediadores em síndromes clínicas seguidas de queda de pressão arterial e sempre pensamos em propor modelo experimental de dengue para testar sua correlação com a função da molécula”, explica Mauro Teixeira.

Ação pública

A oportunidade surgiu há dois anos com a colaboração de George Ignatyev e Alena Atrasheuskaya, pesquisadores russos do Vector Institute, especialistas em estruturar modelos de infecção por diversos tipos de vírus. Os experimentos foram feitos em camundongos nas instalações do Laboratório de Imunofarmacologia do ICB, coordenado por Teixeira.

“Os animais infectados apresentavam desconforto físico e alterações em mediadores no plasma sangüíneo, equivalentes à doença humana”, diz o professor. A similaridade entre os quadros clínicos abrangia ainda queda de pressão arterial, redução de plaquetas e aumento de permeabilidade vascular, em que, devido à saída do plasma do vaso sangüíneo, ocorre concentração de hemácias. O uso do antagonista do receptor do PAF reverteu todas as manifestações clínicas da doença. Estava, assim, demonstrada a hipótese do grupo da UFMG. Como o Fator também induz sintomas de dengue em seres humanos, a equipe prevê que o fármaco evitará o desenvolvimento da doença também entre a população.

“Essa é uma terapia promissora, mas temos de executá-la dentro das normas de segurança”, pondera o professor, que em 2007 recebeu o Prêmio Scopus por sua destacada produção científica. Os próximos passos incluem a síntese do fármaco em condições para uso em seres humanos, orçada, inicialmente, em US$ 20 mil, e a realização de testes clínicos.

O processo, no entanto, necessita de apoio governamental para se concretizar. “Esse é um fármaco de interesse público, e mesmo que não se mostre eficaz, devemos preparar a infra-estrutura para testar outros medicamentos para a dengue”, alerta Teixeira. Pedido de patente nacional para uso da substância em doenças virais e hemorrágicas foi depositado pela UFMG em 2007.