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Nº 1605 - Ano 34
14.04.2008

Vírus transgênico contra a dengue

 

Pesquisa realizada no ICB modifica geneticamente o microorganismo que eliminou a varíola para
estimular proteção contra a dengue

Itamar Rigueira Jr.

Universidades, institutos de pesquisa e indústrias no mundo inteiro procuram uma forma de imunizar as populações das regiões tropicais do planeta contra a dengue. A dificuldade de neutralizar a doença está ligada a fatores como a existência de quatro tipos diferentes do vírus – contra os quais uma mesma vacina deve funcionar – e seu poder de infectar células do sistema imunológico.

Na UFMG, a pesquisa é liderada por Flávio Guimarães da Fonseca, que divide com o professor Mauricio Resende a chefia do Laboratório de Virologia Comparada, ligado ao departamento de Microbiologia do ICB. Pós-doutor pelo National Institute of Health, dos Estados Unidos, professor adjunto da UFMG desde 2006, Flávio Fonseca constrói vírus recombinantes a partir do Vaccínia, vírus usado para erradicar a varíola na década de 1970. Esses agentes recebem gens de proteínas do vírus da dengue para que, quando introduzidos no organismo, gerem a produção de anticorpos que protejam contra a doença.

O desenvolvimento da pesquisa – apoiada pelo CNPq e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – não tem ocorrido na velocidade que se esperava, mas a convicção é de que ela está no caminho certo. Em recente reunião no Rio Janeiro, o comitê responsável pelo setor de vacinas do Instituto do Milênio, do CNPq, confirmou que a dengue está entre as prioridades da estratégia de construção de vacinas e decidiu, diante dos resultados mostrados por Flávio Fonseca, manter o financiamento. O esforço na direção da imunização contra a dengue conta ainda com os cientistas Ricardo Galler e Marcus Freitas, da Fiocruz, que seguem caminhos diferentes. No caso de sua pesquisa, Fonseca prevê pelo menos mais três anos para iniciar os testes com humanos.

Plataforma perfeita

O Vaccínia, segundo Flávio Fonseca, pode ser considerado o vírus de maior sucesso entre aqueles usados como vacina, uma vez que a varíola foi a única doença erradicada em nível mundial. Por isso, pesquisadores começaram a utilizá-lo como plataforma molecular. Um gen que codifica uma proteína imunogênica (que gera uma resposta imune) de determinada doença é inserido no Vaccínia, que é inócuo – quando usado como vacina, penetra no corpo vacinado e se multiplica como se fosse um vírus atenuado qualquer, a exemplo do que acontece nas vacinas contra a febre amarela, cachumba e sarampo.

“Ao se multiplicar dentro da célula, sem causar doença, ele também expressa o gen que foi colocado nele. Ou seja, produz, por exemplo, suas proteínas e as proteínas do vírus responsável pela doença em questão. E o corpo reage gerando anticorpos contra essa proteína, apesar de ela não ser do Vaccínia. É o que chamamos de vetor viral”, explica o pesquisador, que fez mestrado e doutorado na UFMG.

Em suas pesquisas, Fonseca utiliza a versão MVA (Vírus Vaccínia Ancara, em português), um tipo modificado que não causa qualquer dano ao paciente. “É a plataforma perfeita, não afeta nem mesmo pessoas imunodeficientes, como os portadores do HIV”, diz o pesquisador. Ele esclarece que o paciente com Aids não pode ser vacinado contra febre amarela, por exemplo. Como a vacina é viva, pode causar problemas maiores ao deparar com um sistema imunológico deficiente.

Tetravalente

Uma das etapas do processo inclui o isolamento e o seqüenciamento genético dos vírus da dengue que circulam no Brasil, visando à construção correta do vírus recombinante, ou transgênico. O objetivo dos trabalhos em laboratório é construir quatro vetores virais recombinantes baseados no MVA, cada um deles contendo as proteínas dos quatro sorotipos já descritos. Além de mais abrangente, a vacina tetravalente evita reações sérias como a dengue hemorrágica, que muitas vezes decorre de infecção por um tipo do vírus diferente daquele de uma primeira vez. E isso pode acontecer também com a simulação de infecção promovida por uma vacina mono ou bivalente.

“Juntos, os vetores compõem a vacina tetravalente, a única que pode funcionar contra o vírus”, afirma Fonseca, que aponta a necessidade de combinar os vetores como um dos aspectos complicadores para a formulação de uma vacina contra a dengue. Além disso, todo vírus, como o da dengue, que se multiplica em células do sistema imunológico (ele causa imunodepressão passageira, diferentemente do HIV, que a torna crônica) é um problema na hora de gerar uma vacina, porque as células que devem estar funcionais são afetadas pela infecção.

De acordo com o pesquisador da UFMG, a idéia não é absolutamente inédita. Várias vacinas recombinantes para patógenos diferentes foram geradas, com sucesso, a partir da plataforma do MVA. Um grupo americano chegou a cogitar seu uso para a dengue, mas não levou a empreitada adiante.

Flávio Fonseca modificou a idéia original. Ele e outros cientistas suspeitam que muitas tentativas não deram certo porque as vacinas foram preparadas apenas para estimular a produção de anticorpos, gerados pelas células linfócitos B. “Minha proposta é incluir mais gens do vírus da dengue dentro do meu vetor para produzir uma vacina que gere, além dos anticorpos, o que chamamos de resposta celular, que envolve a produção de linfócitos T – células que têm papel fundamental no sistema imunológico – que respondam especificamente contra o vírus da dengue”, explica Fonseca.