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Nº 1680 - Ano 36
14.12.2009

opiniao

Perguntar não ofende

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Se as respostas matam as perguntas, por que será que as perguntas despertam as respostas? A vida de uma pergunta dura o tempo de ser lida ou o tempo para ser respondida? Será que um mundo infinito cabe dentro de um alfabeto finito? As palavras formam ideias ou as ideias buscam as palavras? Será que o pensamento é falho porque as letras certas ainda não foram inventadas? Qual o ditador bem-intencionado que inventou a ordem alfabética? A verdade não será uma mentira maquiada? Será que as coisas visíveis são apenas roupas das invisíveis ou as coisas visíveis são as invisíveis gordas? Se as ideias cheirassem, alguém iria a certas palestras? Não seria ótimo se os debates intelectuais fossem como desfiles de moda e o pensamento bonito tivesse que ser magro? Se criar é destruir, por que destruir não é criar?

Será que no futuro os cientistas descobrirão para onde foi o passado, ou vão continuar insistindo em saber para onde vai o futuro? Será que o Sol ficou mais alegre no dia em que Copérnico formulou sua teoria, ou só os homens são dados a frivolidades? Os triângulos desejam ter mais lados, ou será que o mundo da geometria é avesso à cobiça? A bomba atômica representa algum progresso em relação ao arco e flecha? São símbolos de progresso, no céu, as almas dos mortos em Hiroshima naquela manhã de agosto? Por que os homens se assustam com a violência da natureza, se cada um deles é um armazém de maldades maior do que um vendaval? Quanto de imprevidência dos governantes separa o lápis de uma criança do revólver que ela usa ao crescer? Se Deus fez o mundo para divertir-se, não poderia ter combinado um pouquinho mais com a gente? Se o Universo é um quebra-cabeça, de quanto em quanto tempo Deus volta a misturar as peças? E se Deus guardou o céu para os maus achando que, por bondade, os bons preferem sofrer no inferno? Que crimes terão cometido certos rios para serem transformados em lagos? Onde se esconderão com vergonha os otimistas no dia seguinte ao fim do mundo? Quando as guerras forem coisas do passado, as armas irão para os museus, ou os homens destruirão todas elas com vergonha da história? As armas do futuro serão ainda mais modernas, ou no futuro o homem será tão moderno que não terá necessidade delas? Será apertar botão ou colocar uma camisinha o gesto que ficará como o mais característico do século 20? Por que me respondem com o cérebro, se eu pergunto com o fígado? Quantos neurônios separam a teimosia da obstinação? Será que os livros conversam entre si quando os portões das bibliotecas se fecham, ou o ambiente inteiro se transforma em uma imensa algazarra com todos os temas e línguas falando simultaneamente?

Mais vale viajar à Lua ou caminhar bem sobre a Terra? De que vale chegar à Lua se não sei o e-m@il de Maria? Os mapas ficaram errados, as bússolas enlouqueceram, perdi o sentido de orientação, o mundo ficou descontrolado ou as ideias saíram do lugar, de repente, quando acordei? Qual artista sádico pintou no mapa as linhas das fronteiras entre os países? A confusão é uma ordem ainda não entendida ou a ordem é uma confusão já explicada? De que serve a física se ela não conhece a dimensão em que voam pessoas apaixonadas? É porque muita luz ofusca que o conhecimento exagerado embrutece? Por que há tantos cursos de inglês e não encontro um único que me ensine a linguagem dos pássaros? Como foi possível às ondas do mar inventarem a valsa antes mesmo de Viena ser fundada? Se o mar falasse, seu sussurro convenceria a Lua a ficar sempre cheia ou a aumentar a duração dos eclipses? Se a fala é um rio de palavras, que cheiro tem o mar para onde correm as ideias?

Será a civilização uma imensa orgia sadomasoquista? Existe palavra mais pobre do que riqueza? As pedras têm coração, ou fazem parte das famílias dos políticos que chegam ao poder? Como pode uma cidade ser patrimônio da humanidade e não cuidar bem de suas crianças? De que adianta eleger para presidente o melhor cirurgião, se ele não sente que as pessoas precisam de médico? Que adjetivo moral será um dia inventado para definir o sentimento de quem vê, no carro com ar-condicionado, pessoas recolhendo comida no lixo? $e pagamos juros aos banqueiros, por que não indenizamos o analfabeto pelo tempo que perdeu sem saber ler? Por que o Brasil reserva as universidades para os brancos e as cadeias para os negros? É mais antropofágico o índio que come o corpo do bispo ou o bispo que converte o espírito do índio? Se os povos também têm alma, a alma asteca se encontrará um dia com a europeia ou a distância entre o céu e o inferno não vai permitir? Quantos gênios se perderam na caatinga por falta de uma escola por perto? A sabedoria é medida pelo número de respostas que aprendemos ou de perguntas que fazemos? Pode um homem sem perguntas em um bolso carregar cem respostas em outro? É mais triste morrer sem respostas ou viver sem perguntas? O clube de perguntas aceita mensalidades em respostas? Haverá um lugar onde ficam guardadas as respostas à espera das perguntas a serem feitas? Quando o discípulo faz uma boa pergunta, quem é o mestre? Por que, em vez de ensinar os professores a ensinar, não aprendemos como os alunos aprendem? E se o décimo-primeiro mandamento fosse “alfabetizarás o teu próximo”?

*Jornalista, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG

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