Busca no site da UFMG

Nº 1680 - Ano 36
14.12.2009

Ritmos ‘hermanos’

Editora UFMG publica obra que trata o samba e o tango
como símbolos de identidades nacionais

Itamar Rigueira Jr.

Músicas de origem popular, nascidas nos arrabaldes das respectivas culturas, marcadas por processos históricos e culturais muito ricos nas primeiras décadas do século passado, o tango e o samba eram mesmo escolhas óbvias como objeto de estudo de uma pesquisadora acostumada a lidar com os contrastes entre fenômenos argentinos e brasileiros.

Florência Garramuño – professora de literatura da Universidade de San Andrés, na Argentina, onde dirige o Centro de Estudos Brasileiros – decidiu empreender uma análise profunda dos mecanismos que levaram à conversão dos dois ritmos em símbolos das identidades nacionais. O resultado está no livro Modernidades primitivas – Tango, samba e nação, recém-lançado pela Editora UFMG.

“Aprendi que muitos dos problemas habitualmente pensados como únicos de cada uma das duas culturas são melhor compreendidos se contrastados com problemas da mesma ordem, embora não necessariamente semelhantes, que atravessam a outra cultura”, explica a pesquisadora argentina, pós-doutora em culturas contemporâneas pela UFRJ.

Com essa convicção, Florência Garramuño privilegiou, em sua pesquisa, o modo em que aparece, na conversão do tango e do samba em “músicas culturais”, uma ideia de que elas seriam primitivas (originárias, sensuais) e, ao mesmo tempo, modernas e sofisticadíssimas. “Este é uma espécie de paradoxo fundamental, que na verdade tem muito sentido e lógica no contexto cultural da época”, ela afirma. “E aconteceu não só na evolução das próprias músicas, mas também nos discursos da cultura e da arte – poemas, ensaios, filmes, pinturas – que se referiam aos ritmos e que compõem complexa rede de construção de seu significado cultural.”

Florência ressalta que seu trabalho investiga as operações que permitem que determinadas formas culturais sejam pensadas como símbolos de uma identidade nacional. “O trabalho procura analisar a construção desse sentido do nacional associado ao tango e ao samba como um processo que sofre intervenção de discursos nacionais, produzidos na Argentina e no Brasil, e também internacionais”, diz a pesquisadora, que passou um semestre na UFMG, em contato principalmente com o acervo da biblioteca da Escola de Música.

Carmen e Gardel

A autora conta que seu estudo teve como fontes autores como Carlos Sandroni – que problematizou a evolução do samba facilitando a comparação com outras formas musicais contemporâneas – e Martha Savigliano – que abordou o sucesso do tango na Paris das primeiras décadas do século 20. “Mas também recorri a Borges, cuja história do tango ilumina muitos paradoxos que constituem as vanguardas latino-americanas, Mario de Andrade, com seus vários estudos sobre música popular, e Di Cavalcanti, que pintou figuras inspiradas nos mundos do samba e do tango.”

De acordo com Florência Garramuño, diferentemente do que se poderia imaginar, não são Carmen Miranda e Carlos Gardel que encarnam os pontos trabalhados em Modernidades primitivas, mas antes “os personagens construídos de forma muito semelhante pelos filmes de que eles participaram” como representantes máximos dos ritmos que se transformaram em sinônimos de Brasil e Argentina.

A pesquisadora acrescenta que o conceito de modernidade primitiva, que seria característica de alguns países latino-americanos nos anos 1920, pode ajudar a explicar vanguardas e movimentos culturais desses países de uma perspectiva menos atrelada à realidade europeia. “Pensar a cultura como um campo de negociações diversas em que intervêm as culturas ditas populares e as ditas de elite, num diálogo intenso, talvez seja também uma maneira de nos debruçarmos sobre as formas culturais perseguindo o que elas dizem sobre a cultura na qual emergiram, e não só entendê-las a partir de um ponto de vista puramente estilístico”, conclui Florência Garramuño.


Livro: Modernidades primitivas– Tango, samba e nação
De Florencia Garramuño
Editora UFMG
219 páginas / R$ 43 (ou R$ 34,40 à vista, na Livraria UFMG)