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Nº 1680 - Ano 36
14.12.2009

Pureza absoluta para produzir tecnologia de ponta

BH-Tec terá a maior sala limpa da América Latina,
espaço vitalpara ensaios e geração
de nano e microdispositivos

Ana Maria Vieira

Após anunciar, neste semestre, a adesão da Fiocruz ao Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec), a direção do empreendimento fecha o ano com outra notícia de impacto: a construção de uma sala limpa de 1,8 mil metros quadrados, dimensão considerada única na América Latina, e equivalente aos laboratórios mais competitivos existentes no mercado internacional. O investimento global será de R$ 100 milhões até 2013.

De acordo com o diretor-presidente do BH-Tec, Francisco César de Sá Barreto, a parcela para construção da sede, orçada em R$ 6 milhões, já foi garantida pelo governo mineiro. “No final do próximo ano devemos estar com o prédio concluído”, prevê. Pelo menos 60% do investimento serão destinados à aquisição de equipamentos.

A expectativa é que a instalação desse projeto seja capaz de atrair investimentos internacionais para a pesquisa e produção de dispositivos biofarmacêuticos, óticos e eletrônicos de escala diminuta, presentes, por exemplo, em computadores, equipamentos médicos e dos setores petroquímico e aeroespacial, hoje importados. A produção dessas tecnologias requer ambientes – as salas limpas – dotados de alto grau de controle de contaminação e de aparelhos especiais para processamento e caracterização de sistemas sensíveis.

Apenas no quesito pureza, segundo informa a Intel, sobre a sua própria sala, elas chegam a ser até dez mil vezes mais limpas do que as salas de cirurgias. Para atingir esse nível, equipamentos bastante sofisticados controlam a entrada e circulação das partículas trocando o ar do ambiente a cada seis segundos. Além disso, monitoram a pressão, umidade e temperatura local. Tal rigor se justifica: uma simples partícula de poeira ou escama de pele é capaz de prejudicar irreversivelmente o processamento dos nano e microdispositivos.

“Não nos damos conta, mas todos os processadores existentes hoje nos computadores têm estruturas de 90 ou 60 nanômetros. Eles são feitos industrialmente, mas o Brasil está fora desse mercado, em parte devido à ausência de investimentos e de uma sala limpa com dimensões e equipamentos adequados”, comenta o professor do Departamento de Física da UFMG Flávio Plentz, coordenador científico do projeto. Nas universidades brasileiras existem cinco, todas dedicadas a fins de pesquisa. As maiores encontram-se na Unicamp e na USP e contam com 120 metros quadrados. Instalada na década passada, a da UFMG possui 70 metros quadrados.

Todos esses espaços para investigações científicas são considerados defasados. Mas, como relata Plentz, houve tentativas de modernização da infraestrutura no país: há cerca de dez anos, a UFMG apresentou ao MCT proposta de instalação do Laboratório Nacional de Nanofabricação, de padrão internacional. Disputa entre universidades, no entanto, abortou a iniciativa.

A inércia do Brasil poderia ter efeito comprometedor em seu desenvolvimento e basta um pequeno exemplo para identificar o valor estratégico de investimentos na área: “Em 2008, o negócio de sistemas baseados em dispositivos microeletromecânicos movimentou US$ 46 bilhões, com crescimento previsto de 12% ao ano, atingindo US$ 83 bilhões em 2012”, registrou Plentz em documento apresentado ao governo de Minas Gerais, sobre as oportunidades que podem ser geradas pelo laboratório do BH-Tec.

Conforme avalia o professor, a estratégia para chegar de modo competitivo a esse mercado é evitar setores muito padronizados, como o da microeletrônica. Por esse motivo, o foco do grupo mineiro será em nano e microssistemas – tecnologias que contam com mercados abertos, uma vez que são desenvolvidas a partir de demandas específicas.

“Esses sistemas envolvem dispositivos com diversas funcionalidades, como giroscópios e acelerômetros usados na estabilização de plataformas de perfuração de petróleo em águas profundas ou no setor aeroespacial, bem como laboratórios em chip, para análises clínicas, químicas ou de qualidade da água. A novidade é que eles permitem a coleta e avaliação de dados e materiais em regiões geográficas remotas entre si”, exemplifica Plentz.

Polo

A sala limpa do BH-Tec não atuará como indústria. Denominada Centro Multidisciplinar de Microtecnologias, Nanotecnologias e Integração de Sistemas (CMinas), ela será gerenciada pela administração do Parque e oferecerá treinamento, assistência e equipamentos a pesquisadores, institutos acadêmicos e empresas interessadas em formar equipes e desenvolver suas tecnologias e investigações.

O diferencial do laboratório é que ele deverá garantir essa assistência para o ciclo completo de criação de dispositivos. Isso significa apoio desde a fase da concepção básica do projeto até a pesquisa, o desenvolvimento, a simulação, o teste, a produção de protótipo e a fabricação em pequena escala.

“A instalação dessa infraestrutura vai aglutinar iniciativas, inclusive de outros estados e da América Latina, de forma mais competitiva e moderna”, prevê Flávio Plentz. Estudo preliminar feito por ele e pelos professores Wagner Rodrigues, do Departamento de Física, e Davies William Monteiro, da Escola de Engenharia, identificou cerca de cinco mil pessoas, entre pesquisadores, estudantes e técnicos atuando na área no Brasil. “Há pelo menos 360 grupos de pesquisa e 160 empresas que são potenciais usuários do CMinas, no país”, projeta.

Leia também entrevista com Francisco César de Sá Barreto.