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Nº 1721 - Ano 37
29.11.2010

opiniao

A problemática dos cursos de
RESIDÊNCIA NÃO MÉDICA no Brasil

Gilcinéa de Cássia Santana*

A instituição de programas de residência para profissionais não médicos no Brasil vem ocorrendo de maneira informal desde a década de 60, materializando proposta das diferentes profissões da área da saúde para qualificar seus alunos por meio do treinamento em serviço de longa duração, nos moldes da Residência Médica. Questões ligadas à regulamentação e à padronização de tais programas são uma preocupação antiga.

O primeiro programa de que se tem notícia foi o de Residência em Enfermagem, em 1961. A Residência Médica foi regulamentada oficialmente em 1977 pelo Decreto 80.281. Posteriormente, vários cursos de residência em outras áreas profissionais foram criados. A maior parte não foi, até o momento, reconhecida pelo MEC e vem sendo oferecida, as vezes com financiamento público ou privado, em formato de cursos de pós-graduação lato sensu.

A maioria desses cursos toma como base as atuais residências médicas do país. Sem o reconhecimento do MEC, eles apresentam grande diversidade na estrutura curricular e cargas horárias. A falta de reconhecimento dos cursos de residência pelo MEC está associada ao não estabelecimento de normas para credenciamento, avaliação, acreditação e financiamento dos programas de residência. O reconhecimento desses programas garante maior credibilidade já que todo o processo de infraestrutura, casuística, orientação e organização é avaliado.

A partir de 2005, os ministérios da Educação e da Saúde criaram duas modalidades de especialização: a Residência em Área Profissional de Saúde e a Multiprofissional em Saúde. Destinadas a profissionais de saúde, elas são regulamentadas pela Portaria Interministerial 45, de janeiro de 2007, que abrange as seguintes áreas: biomedicina, ciências biológicas, educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina veterinária, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social e terapia ocupacional. Esses cursos são reconhecidos pelo MEC e financiados pelo Ministério da Saúde.

Dessa forma o MEC reconhece apenas três modalidades de residência no Brasil: a Médica, destinada aos médicos, e as residências em Área Profissional de Saúde e a Multiprofissional em Saúde, oferecidas a profissionais de áreas correlatas.

A implantação das residências em Área Profissional de Saúde e a Multiprofissional em Saúde não extinguiram os cursos de residência por área profissional, uma vez que sua proposta pedagógica deveria estar afinada com os princípios e diretrizes do Programa Saúde da Família (PSF) e com o Sistema Único de Saúde (SUS). Diversas áreas de concentração dos programas de residência não possuem essa abrangência. Desta forma, continuamos com as questões do não reconhecimento dos cursos pelo MEC.

No âmbito da Veterinária, essa modalidade especial de ensino existiu sem padrões definidos por mais de 30 anos. A primeira medida concreta de reconhecimento e certificação foi tomada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), o único órgão ainda hoje a regulamentar a residência na área no Brasil. O CFMV criou a Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária e instituiu a Resolução 895, de 2008, que estabelece diretrizes nacionais de regulação dos padrões de qualidade dos programas, as normas de credenciamento e reconhecimento dos cursos. Enfim, realiza uma função que caberia ao MEC.

Mesmo sem reconhecimento federal, o número de programas de residência em Medicina Veterinária aumentou 87,5% nos últimos dois anos, passando de 32 para 60. Dentre os programas existentes, apenas 33% são reconhecidos pelo CFMV. Os programas reconhecidos pelo CFMV aumentaram 25% no mesmo período. Dos 20 cursos hoje reconhecidos pelo CFMV, 55% são ofertados por instituições privadas de ensino, 25% por instituições públicas federais e 20% por públicas estaduais. As regiões Sul e Sudeste concentram a maioria dos cursos. No Norte do Brasil não existe sequer um programa reconhecido pelo CFMV. Minas Gerais possui apenas dois cursos reconhecidos, entre eles o da UFMG.

Segundo a Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária, apenas 4% dos alunos que se formam em Medicina Veterinária estão inseridos nos programas de residência das Ifes. Com financiamento federal, esse número poderia ser maior, visto que uma das limitações enfrentadas por essas instituições está ligada à disponibilidade orçamentária para pagamento de bolsas aos residentes. O valor dessas bolsas é muito inferior ao da Residência Médica.

O curso de Residência Médico-Veterinária da Escola de Veterinária da UFMG está completando 11 anos. Foi implantado em 1998 como modalidade de pós-graduação lato sensu, destinada exclusivamente a médicos veterinários. É constituído pelas áreas de concentração em Clínica Cirúrgica e Obstetrícia de Grandes Animais, Clínica Cirúrgica e Obstetrícia de Pequenos Animais, Clínica Médica de Equinos, Clínica Médica de Pequenos Animais, Clínica Médica de Ruminantes, Patologia Clínica Veterinária, Patologia Veterinária, Reprodução Animal e Anestesiologia Veterinária, além de dois níveis distintos de especialização denominados de Residência Médico-Veterinária 1 e 2, com duração de 12 meses cada.

Até o momento, o curso formou 108 alunos e possui 15 residentes em fase de treinamento. Grande parte dos alunos egressos atua em órgãos públicos, como prefeituras, ministérios, laboratórios e na iniciativa privada. Outros optaram pela área acadêmica e estão inseridos em programas de pós-graduação stricto sensu da UFMG e de outras instituições. Alguns ex-alunos são docentes renomados que atuam em instituições públicas e privadas.

Esses números e a própria abrangência da Residência em Medicina Veterinária no Brasil, em especial a da UFMG, poderiam ser mais expressivos se tal modalidade de ensino contasse, pelo menos em parte, com o apoio dispensado à residência para médicos. Alcançar esse reconhecimento continua sendo o nosso maior desafio.

*Coordenadora do Curso de Residência Médico-Veterinária da Escola de Veterinária da UFMG

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