Revista da Universidade
Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 3 - Agosto de 2003 - Edição Vestibular
Aprimoramento de hora em hora
Eber Faioli |
Nas duas últimas décadas, a profissão de médico sofreu uma grande transformação no Brasil, ditada especialmente pela organização do sistema de saúde no País e pelas condições e necessidades da população. Se, antes, os consultórios particulares e a função como profissional liberal e autônomo nos hospitais e clínicas definiam o mercado de trabalho, hoje, a atuação do médico está fortemente intermediada pelo Poder Público e pelas instituições privadas, em especial pelos convênios de saúde. Ao exercer uma das mais antigas e belas profissões do mundo, o médico deve estar consciente dessas mudanças no ideário da profissão e saber que lidará com exigências e emoções que desafiam sua própria saúde física e mental.
Pesquisa divulgada em 1997, “Perfil dos Médicos no Brasil”, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostrou a estrutura do mercado de trabalho no País: 69,7% dos médicos, já naquela época, estavam ligados aos serviços da rede federal, estadual ou municipal, vínculo maior quando relacionado com as regiões mais pobres do Brasil. A multiplicidade de empregos é outra característica da profissão. Mais de 75% dos profissionais, conforme a pesquisa, possuem até três atividades diferentes e 24,4% têm quatro ou cinco. Daí, a complexidade expressa nos números, pois 59,3% dos médicos trabalham na iniciativa privada e 74,7% também possuem consultórios particulares.
A Faculdade de Medicina da UFMG é uma das 20 instituições escolhidas pelos ministérios da Saúde e da Educação para participar do Programa de Incentivo às Transformações Curriculares das Escolas de Medicina (Promed). Esse programa fomenta o debate em torno da formação de um profissional com visão generalista, apto a dar conta das principais demandas epidemiológicas e sociais da maioria da população.
Eber Faioli |
Geraldo Brasileiro: formando profissionais aptos a atender demandas epidemiológicas e sociais |
De muitas outras formas, diz o Diretor da Faculdade de Medicina, Geraldo Brasileiro Filho, a UFMG já trilha esse caminho há vários anos, o que está implícito nas cobranças e no estímulo aos alunos para que participem o quanto antes do cotidiano da Medicina. A presença ativa do aluno na rede de assistência, tanto nos centros e postos públicos quanto nos ambulatórios e nas unidades de internação do Hospital das Clínicas, da própria UFMG, e da rede conveniada, faz parte da dinâmica da Faculdade de Medicina, aprofundada durante uma das maiores conquistas do curso: o Internato Rural, período de três meses em que os estudantes participam ativamente da estrutura de saúde pública em algum município do interior de Minas Gerais. “O estudante deve começar a vivenciar a profissão assim que passa no Vestibular”, reforça Brasileiro, explicando que essa é uma das razões para o curso de Medicina da UFMG ser essencialmente prático e exigir dedicação integral. Nos seis anos de estudos, tempo médio da Graduação – embora o currículo-padrão admita a integralização mínima em 10 semestres e a máxima em 20 – a preocupação com a ambientação do aluno ao seu universo profissional é constante e prioritária.
Crítico, Ernesto Lentz de Carvalho Monteiro, cirurgião e professor, com a experiência de 42 anos de trabalho, diz que é urgente repensar o reduzido peso do ensino das especialidades na Medicina. “Um generalista não pode desconhecer as especialidades”, assinala. O diploma, acredita o Professor, virou um “passaporte para a Residência Médica”, a especialização, obrigatória por, no mínimo, dois anos, que se consolidou como exigência do mercado de trabalho e necessidade de que, raramente, um profissional pode abrir mão em sua formação, exatamente porque o estudo das especialidades foi, ao longo dos anos, muito diluído no currículo. Diferente argumento tem a Coordenadora do Colegiado do curso de Medicina, professora Janete Ricas. Ela pondera que o “ensino maior de especialidades na Graduação provocaria uma tendência à especialização mais precoce e, conseqüentemente, fragmentaria, ainda mais, a percepção do paciente e do processo saúde/doença pelo médico”.
O “Perfil dos Médicos do Brasil” revelou que a grande maioria dos profissionais considera o aprimoramento uma necessidade, principalmente a Residência, cumprida por 74,1% dos médicos no País. Outros 40,7% cursaram algum tipo de especialização lato sensu, contra um número muito reduzido de médicos com cursos stricto sensu: apenas 7,7% fizeram Mestrado e 3,7%, Doutorado. O problema, resume Brasileiro Filho, é que a Residência é alcançada após uma espécie, também, de Vestibular, ainda mais difícil, porque os concorrentes estão todos preparados e, mais ou menos, no mesmo nível.
Eber Faioli |
Atenção do médico interfere na cura e no bem-estar do paciente |
Outro desafio da Medicina é o fortalecimento dos laços entre paciente e profissional. Para Janete Ricas, entre os fatores que atrapalham essa relação está o anonimato decorrente da institucionalização do trabalho médico, em instituições públicas ou privadas. “Outro fator é a percepção fragmentada do paciente, com valorização quase exclusiva do corpo ou parte dele, que tem sua explicação em questões históricas da evolução da ciência, da Medicina e do lugar social do médico e do paciente no imaginário coletivo”, explica ela. Brasileiro Filho constata que “a relação entre médico e paciente não pode ser como se ambos fossem máquinas. Está havendo um exagero no distanciamento entre o profissional e o doente”. Está mais do que provado, ressalta ele, que a atenção é fator que interfere na cura e no bem-estar do doente.
O curso de Medicina da UFMG enfatiza os conhecimentos fundamentais em Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia, Ginecologia e Obstetrícia, Saúde Mental e Saúde Coletiva. A Escola de Medicina tem 92 anos e recebe, por ano, 320 alunos. No Vestibular do ano passado, 30 candidatos disputaram cada vaga do curso.