Paraisópolis com Divinópolis
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Colagem que figura no álbum Clube da Esquina, de 1972: disco projetou os jovens que se reuniam no bairro de Santa Tereza para compor e tocar. Acervo Clube da Esquina

Colagem que figura no álbum Clube da Esquina, de 1972: disco projetou os jovens que se reuniam no bairro de Santa Tereza para compor e tocar . Acervo Clube da Esquina

 

Trajetória do Clube da Esquina é celebrada em exposição no Espaço do Conhecimento

 

POR ISABELLE CHAGAS* E JULIANA FERREIRA**

Entre o divino e o paraíso, a junção de duas ruas (Paraisópolis e Divinópolis) formaria a mais famosa esquina de Santa Tereza, o bairro mais boêmio da capital. Ali, nos idos dos anos 1960, reuniam-se artistas já consagrados e uns meninos mais moços. Alguns nascidos e criados na cidade grande; outros vindos do interior, na infância ou já na juventude, em busca de ganhar a vida e, quem sabe, fazer sucesso.

Um deles era Milton Nascimento, o Bituca, que, da pacata Três Pontas, no sul de Minas, veio morar no centro de uma Belo Horizonte urbanizada com ares de modernidade. Aqui, ele encontrou amigos de longa data, como Wagner Tiso, com quem criou uma banda e escreveu as primeiras canções, ainda na adolescência, e fez outros, como os irmãos Borges, Toninho Horta, Beto Guedes, Tavinho Moura, Fernando Brant e Ronaldo Bastos. Juntos, passavam tardes aprendendo música. Formaram bandas e compuseram letras e melodias: “Estão lá na esquina, cantando e tocando violão”. Era assim que Dona Maricota, mãe dos irmãos Márcio e Lô Borges, justificava a ausência dos seus meninos em casa. Naquela esquina, eles varavam noites, conciliando a vida de estudantes com os primeiros passos de suas carreiras musicais.

Contracapa do LP que lançou as bases do movimento. Acervo Clube da Esquina

Da amizade, surgiram as primeiras músicas, que, por meio de misturas audaciosas, fizeram nascer uma nova musicalidade pela fusão de movimentos e tendências, à primeira vista muito distantes, como a música erudita, o jazz e o rock norte-americanos, a bossa nova, o samba, os sons da América Hispânica e as tradições do interior mineiro com fortes traços da cultura negra. Assim, deram início a um dos mais importantes movimentos musicais da segunda metade do século 20.

O Espaço do Conhecimento UFMG celebra e retoma essa história com a abertura oficial da exposição Canção amiga – Clube da Esquina, uma homenagem a Fernando Brant, único integrante já falecido, cuja partida completa dois anos em 2017. A mostra, que entra em cartaz no dia 14 de julho, é resultado do trabalho do Centro de Referência da Música de Minas UFMG (CRMM), que investiga as sonoridades produzidas e em circulação no estado.

Memórias

Três esquinas compõem Canção amiga, que aborda a trajetória dos artistas do Clube da Esquina, o contexto social e político da época e as influências e os movimentos com os quais o grupo dialogava entre 1972 e 1978, período que compreende o lançamento dos discos Clube da Esquina e Clube da Esquina 2, explica o pesquisador Bruno Viveiros, curador da exposição e integrante do Centro de Referência da Música de Minas (CRMM/UFMG).

O interesse do historiador pelo tema surgiu como admirador do movimento, materializado em sua pesquisa de mestrado sobre o Clube da Esquina. “Percebi que a nova geração de ouvintes não conhece o Clube de forma tão próxima; a ideia foi justamente dialogar com esse público e abordar a importância dos temas tratados nas composições”, afirma Viveiros. Por isso, todo o conteúdo da exposição foi pensado como forma de apresentar uma sonoridade diferente e criativa aos alunos do ensino básico, principal público que frequenta os museus, e como memória afetiva daqueles que viveram a época.

Bolinhas de gude rolam pelo chão, pipas são levantadas no céu, e os tempos de criança se tornam presentes: assim começa a primeira esquina, quando a infância encontra a transcendência. Na segunda, há o confronto entre realidade e utopia, marcado pela crítica a um presente de repressão e pelo vislumbre de um futuro melhor. Na terceira esquina, a primazia do encontro do urbano com o natural, da cidade com o campo, relações primordiais de muitos integrantes do movimento.

De acordo com os coordenadores e também integrantes do CRMM Betânia Figueiredo, professora do Departamento de História da UFMG, e Mauro Rodrigues, professor do Departamento de Instrumentos e Cantos da Escola de Música, a intenção foi produzir um conteúdo que fizesse o analógico dialogar com as novas tecnologias, promovendo uma interação do público por meio dos cinco sentidos. “As pessoas vão poder tocar nos objetos, sentir cheiros, ouvir sons e exercitar uma visita totalmente corporal, que vai instigá-las a sair com vontade de ouvir e conhecer mais”, explica Betânia Figueiredo.

A mostra é a primeira exposição sobre o Clube da Esquina a desenvolver uma trilha sonora específica, que conta com a direção de Mauro Rodrigues, participação de professores e alunos da Escola de Música da UFMG e de alguns dos integrantes do Clube, como Tavinho Moura, Toninho Horta e Túlio Mourão. “Produzimos uma instalação que consiste na mixagem de arranjos meus e do Túlio em seis canais, que formam uma espécie de escultura sonora. Foi superdivertida essa experiência, além de didática, já que envolvemos os estudantes nesse processo de reconhecer as sonoridades de cada instrumento”, conta Mauro Rodrigues.

E a experiência multissensorial não para por aí: por meio de mapas, jogos e instalações em som, vídeo e imagem, o segundo e quinto andares do museu, assim como as escadas, são ocupados de maneira inovadora. A experiência é expandida em projeções na fachada digital – cuja estrutura, uma interface entre o prédio e a Praça da Liberdade, exibe o depoimento de artistas do Clube da Esquina. No Planetário, uma sessão especialmente produzida pela equipe do Núcleo de Audiovisual do Espaço do Conhecimento UFMG promove uma experiência lúdica e imersiva nesse universo.

A composição por módulos, divididos entre todos esses espaços, facilita a interação do público e a transposição da estrutura da exposição, que, após seu lançamento no Espaço do Conhecimento UFMG, deve ser levada para diversas cidades de Minas Gerais.

Diálogo com a cidade

A exposição Canção amiga – Clube da Esquina é mais um dos projetos que reforçam o caráter inovador do Espaço do Conhecimento UFMG, que, em 2017, comemora sete anos de existência. Desde a sua criação, como destaca Ana Flávia Machado, diretora científico-cultural da instituição, o museu apresenta à capital mineira exposições temporárias de produção coletiva de professores, pesquisadores e alunos da UFMG, cumprindo sua missão de divulgar a cultura científica e artística produzida no âmbito da Universidade. “Assim como o Clube da Esquina projetou a música mineira no país e no mundo, esperamos que a exposição Canção amiga motive o público, em especial o infantil e o juvenil, a conhecer e a admirar essa experiência singular de música, de amizade e de sonhos”, afirma.

Sonoridade das Gerais

Além da exposição, o Centro de Referência da Música de Minas (CRMM/UFMG) tem atuado na preservação do acervo do Museu do Clube da Esquina, que, há dois anos, é abrigado pela Biblioteca Universitária. Em breve, todo o material estará disponível para consulta e visitação do público. O trabalho é fruto de ação colaborativa de profissionais e pesquisadores de várias áreas, que se reúnem para estudar o Clube da Esquina e outras musicalidades de Minas Gerais.

Canção amiga – Cube da Esquina será lançada no dia 14 de julho, no Espaço do Conhecimento UFMG, e fica em cartaz até setembro deste ano. A entrada é gratuita. Para mais informações, acesse o site www.espacodoconhecimento.org.br.

 

*Estagiária de jornalismo do Espaço do Conhecimento UFMG
**Jornalista do Espaço do Conhecimento UFMG

 

Reportagem originalmente publicada na edição nº1984 do Boletim UFMG, de 3 de julho de 2017

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