JOSÉ HENRIQUE SANTOS
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José-Henrique

A propósito das comemorações dos 90 anos da UFMG, gostaria de destacar a obstinada defesa das liberdades exercida pela Universidade durante todo o período do regime militar. Não só durante minha gestão, como também nas dos reitores que me antecederam, nunca aceitamos que fosse instalado na Reitoria o “gabinete de segurança” comandado por oficial do exército, que decidia sobre fatos acadêmicos tidos como subversivos e perigosos. Entre 1982 e 1986, pude acompanhar o que acontecia nas outras universidades federais. Creio que a UFMG foi a única que não compactuou com essa exigência, de modo que a política universitária nunca foi decidida fora da Instituição. Lembro-me de que ministrei um curso intensivo de uma semana em Universidade de outro Estado, e, apresentando-me ao Reitor, pediu-me ele, no fim da entrevista, para minha surpresa, que submetesse o programa de meu curso ao supervisor de segurança, visto que o seu conteúdo tinha um componente político “que poderia ser mal interpretado”.

Essa independência custou-nos muitas ameaças, e várias vezes fui chamado ao MEC para esclarecer atitudes e decisões consideradas “de oposição ao governo”. Em uma delas foi-me mostrado grande maço de documentos sobre uma de nossas faculdades, com acusações a professores que não estariam cumprindo horário, tendo a chefe de Gabinete da ministra ameaçado publicá-lo, caso eu continuasse a divergir do Ministério. Respondi-lhe que me desse ciência dos fatos para que pudéssemos apurar, e ela respondeu-me que não podia, pois eram documentos sigilosos. O assunto morreu por aí. Esse é apenas um pequeno exemplo de como procediam: se o reitor ficasse com medo, estava perdido!

Em 1985 (ou 84?), tentaram cassar meu mandato, mas a resistência do corpo docente e discente da UFMG (e também do corpo de funcionários) muito ajudou. Também a Assembleia Legislativa e a Câmara Municipal fizeram sessões em defesa da Universidade, assim como a SBPC, que realizava sua reunião anual em nossas dependências.

A última ameaça de intervenção ocorreu quando acolhi no campus Saúde os estudantes que fugiram da polícia, impedidos de realizar sua reunião num clube esportivo de Belo Horizonte. O general exigiu que eu chamasse o exército para “manter a ordem e proteger os bens públicos ameaçados”. Recusei-me, dizendo que eu mesmo assumiria essa responsabilidade como dever do cargo. Ele se exaltou e disse que invadiria o campus para prender todos os estudantes. Respondi-lhe que me encontrariam no portão de entrada e teriam de prender-me na frente de toda a imprensa, que seria chamada, e dos inúmeros deputados e demais autoridades que me davam apoio. Disse-me, então, já irritadíssimo: o senhor será responsável por tudo o que acontecer!

Telefonei depois ao Ministro Ludwig e narrei-lhe a conversa. Nenhum reitor, argumentei, pode chamar a polícia para invadir a universidade e prender os estudantes, que estão “na casa que foi feita para eles”; perderia toda a autoridade e, pior ainda, praticaria um ato indigno contra seus alunos! Ele concordou comigo e disse que telefonaria ao general. Assim o fez, porque este logo depois ligou-me, mais calmo, mas repetindo a ameaça: o senhor será responsável por tudo! Respondi apenas: como sempre fui. Cuido da minha Universidade, do mesmo modo que o senhor cuida de sua tropa.

No final da semana, no sábado, cumpriu-se o último ato: vários estudantes tiveram sintomas de envenenamento, depois de comerem no refeitório. Foram atendidos no HC, e o almoço foi imediatamente cancelado.

Apuramos o fato e descobrimos que um produto tóxico fora misturado ao feijão por uma das funcionárias, que era agente do Dops. Foi ela demitida, e nosso inquérito, remetido à Polícia Federal, com pedido de investigação, como manda a lei. Nunca recebemos resposta. Uns 10 anos depois, um médico que atuara na repressão, numa inesperada conversa com uma de nossas funcionárias, que era sua cliente, confirmou o atentado, apresentando como justificativa a necessidade de reprimir os subversivos.

José Henrique Santos foi reitor da UFMG na gestão 1982 – 1986