Busca no site da UFMG




Nº 1482 - Ano 31 - 5.5.2005


O cinema brasileiro vai bem, obrigado

Maurício Guilherme Silva Jr.

cineasta Nélson Pereira dos Santos esteve, em abril, na UFMG, onde participou do primeiro módulo do projeto Jovens Artistas, cuja edição-piloto é sediada na Universidade. Na ocasião, o diretor debateu com a comunidade acadêmica o seu filme Rio 40 graus, rodado nos anos 50, e que lançou as bases estéticas do Cinema Novo. Antes da discussão, o cineasta concedeu a seguinte entrevista ao BOLETIM, na qual aborda, entre outros assuntos, a influência cinemanovista sobre a produção atual, que, segundo ele, vive uma fase de florescimento.

Como o senhor analisa a iniciativa da Universidade de convidar artistas para debaterem suas obras?

É muito positiva porque permite trocar figurinhas sobre a experiência de cada um. E acho que pode abrir caminho e estimular mais pessoas a fazerem cinema, a profissão mais sedutora que existe. Tanto que a procura por essa área é muito grande. No Vestibular da Universidade Federal Fluminense, o curso de cinema é o segundo mais concorrido.




Nélson Pereira dos Santos: o cinema é a profissão mais sedutora
Foto: Eber Faioli

O senhor é um dos expoentes do Cinema Novo. A estética revolucionária do movimento mantém-se atual? Em que medida ela influencia a atual produção cinematográfica?

O Cinema Novo deixou uma influência básica: tudo o que ele tratou de forma pioneira, há algumas décadas, hoje é natural. Naquele tempo, por exemplo, ator negro não aparecia na tela, pois não era muito cinematográfico. Hoje, isso está superado. O cinema brasileiro é múltiplo, pluralista. Pode-se sentir, em alguns autores e filmes, características do Cinema Novo. Ele ainda exerce certa influência, mas de forma difusa, menos intensa.

O poeta e crítico José Paulo Paes, morto em 1998, ressaltava a importância, para composição do ambiente literário de um país, da chamada "literatura de entretenimento". Analogamente, como o senhor analisa o cinema de entretenimento?

Ele sempre existiu e eu discordo inteiramente dessa divisão: cinema de entretenimento e cinema cultural ou de autoria. Isso não existe. Tudo é cultural e a autoria está presente em qualquer produção cinematográfica. O cinema de entretenimento é importante do ponto de vista econômico. Fazer filmes é uma atividade cara e que necessita de muito público. Contudo, pensar apenas em cinema de mercado pode produzir repetições de temas e fórmulas. Hoje, não se vêem mais grandes bilheterias nos filmes da Xuxa, por exemplo. É preciso pensar muito, primordialmente na comunicabilidade dos filmes. Todo autor pensa em ter um espectador do outro lado.

Em 1990, o governo quase destruiu a indústria cinematográfica no Brasil. É possível fazer cinema no Brasil sem apoio governamental?

Não. Está provado que é muito difícil, não há condições. Quando aquele presidente ( Fernando Collor de Melo ) fechou a Embrafilme e liquidou todos os meios de apoio à cultura, a produção cinematográfica chegou a zero. O cinema brasileiro, acostumado com o paternalismo estatal, praticamente morreu. E só com a primeira lei de incentivo, a Rouanet, começou a botar a cabeça para fora. Depois, veio a Lei do Audiovisual, que fez o cinema renascer. E ele irrompeu de novo.

Como o senhor analisa o atual estágio técnico do cinema brasileiro?

Não se discute mais a qualidade técnica e de linguagem do cinema brasileiro. Pode-se questionar o modo de fazer de determinados filmes, se o resultado foi bom, mas isso é outro assunto. O cinema brasileiro tem hoje uma perfeição formal e técnica comparável à do cinema norte-americano, porque dispõe de recursos semelhantes. Um pouco de apoio faz o cinema florescer. O nosso cinema é como as várzeas do Rio de São Francisco, onde brotam uvas depois de irrigadas. Lá era tudo deserto, caatinga. No caso do nosso cinema, bastou um pouquinho de dinheiro do Estado, que é como a água.

Como o senhor vê a contribuição das escolas na formação dos profissionais de cinema?

Facilita o caminho, ajuda a evoluir mais rapidamente. E ajuda também noutro sentido: o curso cria gerações, grupos de 20, 40 jovens com as mesmas preocupações, discutindo entre si o que é o cinema, o que não é, as metas a serem vencidas. O melhor cinema do mundo, o norte-americano, não prescinde de escolas de cinema. Há cerca de 70 delas nos Estados Unidos. E a escola também serve para renovar os quadros técnico e de criação.

O momento atual é celebrado como a retomada do cinema brasileiro. O senhor também compartilha essa visão?

Vejo com muita alegria a atual produção brasileira. Como criação, o cinema brasileiro vai bem, obrigado. Só não continua bem do lado da comercialização, da distribuição. É um problema histórico, não preciso nem me deter sobre isso, todo mundo sabe.