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Nº 1674 - Ano 36
2.11.2009

Pesquisa comprova efeito anti-hipertensivo de plantas brasileiras

Testes feitos em laboratório do ICB mostram ação vasodilatadora de fitoterápicos

Ana Rita Araújo

Embora nem sempre os vegetais tenham exatamente a ação medicamentosa difundida pela cultura popular, o chamado critério etnofarmacológico tem aberto caminhos promissores para a indústria farmacêutica. Foi assim com a mangabeira (Hancornia speciosa), tradicionalmente usada para tratar hipertensão arterial. Em testes no Laboratório de Farmacologia e Fisiologia Cardiovascular do ICB, a conjugação de alguns constituintes do princípio ativo da planta demonstrou ação vasodilatadora e alto efeito como anti-hipertensivo. Além de ser ativa no indivíduo hipertenso em doses muito baixas, a combinação de substâncias é mais potente que o captopril, medicamento amplamente utilizado para o controle da doença.

Protegida por depósito de patente, o fitoterápico está na fase de avaliação toxicológica e de segurança. “Esperamos encontrar parceria na indústria para tocar os testes clínicos em humanos”, comenta a professora Virgínia Soares, do Departamento de Fisiologia e Biofísica, que coordena a pesquisa ao lado do professor Steyner de França Côrtes e Lemos, do Departamento de Farmacologia.

Outra planta que revelou efeitos positivos para a mesma doença foi a Dioclea grandiflora, conhecida como olho de boi ou mucunã. Neste caso, o critério usado pelos pesquisadores foi o quimiotaxonômico, segundo o qual as plantas são agrupadas de acordo com seus constituintes químicos. “Assim como a mangabeira, esta planta é rica em polifenóis, que têm comprovado efeito sobre o sistema cardiovascular”, comenta Virgínia Soares, ao explicar que busca preferencialmente dois tipos de polifenóis – os flavonóides e as xantonas. “No caso da Dioclea grandiflora, trabalhamos com a raiz, da qual isolamos, em parceria com fitoquímicos, cinco flavonóides nunca antes descritos”, diz a pesquisadora. Um deles, batizado de Diocleína pelo grupo, é extremamente ativo, com forte efeito vasodilatador e anti-hipertensivo.

Apesar disso, os pesquisadores precisaram recorrer à Química para solucionar um problema encontrado nos testes: a Diocleína não fazia efeito se administrada por via oral. “Ninguém iria querer fazer uso contínuo de injeções para combater a hipertensão”, brinca a professora. Com a ajuda do professor Rubén Dario, do Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas, a substância foi inserida na molécula de ciclodextrina – oligossacarídio cíclico formado pela ligação de monômeros de a-D-glicopiranose –, já usada na indústria farmacêutica, de forma a ser capaz de atravessar todo o trato gastrointestinal e ser absorvido no intestino sem perder sua atividade. “Outra vantagem do processo é que a Diocleína se tornou solúvel em água”, aponta a professora, que destaca como grande benefício da substância seu efeito de longa duração no organismo, já que ela se mantém ativa por cerca de cinco horas. A descoberta da Diocleína e seus efeitos positivos foram tema de vários artigos científicos publicados em periódicos internacionais.

No rastro do vinho

Hancornia speciosa e Dioclea grandiflora têm em comum com o vinho a presença, em seu princípio ativo, de polifenóis, responsáveis por efeitos benéficos sobre o sistema cardiovascular. “Há um grande número de plantas capazes de oferecer bons resultados, mas as pesquisas esbarram no financiamento, pois os testes são muito caros e os equipamentos cada vez mais sofisticados”, comenta Virgínia Soares, que tem outros estudos em andamento, especificamente com xantonas. “Quando fiz mestrado e doutorado na França, nos anos 90, comecei a me interessar pelos efeitos do vinho sobre o sistema cardiovascular”, conta a pesquisadora.

Além da hipertensão arterial, o grupo de pesquisa de Fisiologia e Farmacologia Cardiovascular atua em linhas como arteriosclerose, diabetes e dislipidemias, isto é, o desequilíbrio na concentração de lipídios. “Procuramos explorar diversas drogas que poderiam ajudar no tratamento. Assim, procuramos novos produtos a partir de extratos de plantas que possam vir a ser usadas como medicamentos”, conta Virgínia Soares. Ela destaca a participação na pesquisa dos professores Steyner de França Cortes, do ICB, e Fernão Castro Braga, da Faculdade de Farmácia.

O laboratório de Fisiologia Cardiovascular também realiza, por encomenda de empresas farmacêuticas, estudos sobre efeitos tóxicos e comprovação da ação de medicamentos fitoterápicos que já estão no mercado. “Para se ajustar às novas exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as indústrias precisam comprovar que seus medicamentos não têm efeitos tóxicos associados e que apresentam os resultados esperados. Por isso, nos encomendam determinados testes”, explica a professora. Além disso, o laboratório recebe compostos isolados para realização de ensaios farmacológicos de pesquisadores da área de fitoquímica, tanto da Faculdade de Farmácia da UFMG quanto de outras instituições brasileiras.