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Nº 1674 - Ano 36
2.11.2009

Entre a crítica e a sedução

Livro disseca relatos de viajantes alemães do século 19 para revelar seus discursos

Itamar Rigueira Jr.

Um pesquisador alemão que vive há 30 anos no Brasil ocupa, sem dúvida, lugar privilegiado para analisar o olhar e a escrita de compatriotas sobre o país, e ainda pensar no que o Brasil transformou esses relatos. A análise do discurso de três viajantes do século 19 – W.L. von Eschwege, J.B. von Spix e C.F.P. von Martius – está no livro Literatura de viagem na época de D. João VI, de Günther Augustin, recém-lançado pela Editora UFMG.

Originada em pesquisa de doutorado concluída em 2003, a obra do professor da Faculdade de Letras da UFMG parte do que ele chama de “contexto” – palavra que dá título do primeiro capítulo – para determinar a formação discursiva dos autores, segundo conceito de Nietzsche. “É preciso entender a situação histórico-social que marcou o pensamento deles e a partir da qual eles olham e descrevem o mundo”, explica Günther Augustin.

O autor lembra que relatos como o Jornal do Brasil, de Eschwege, e Viagem pelo Brasil, de Spix e Martius, têm papel fundamental na formação do imaginário e da identidade do país. Daí a importância de uma releitura crítica dessas descrições, naturalmente muito marcadas pelo ponto de vista eurocêntrico, hegemônico. O engenheiro Eschwege, por exemplo, vem ao Brasil a serviço da Coroa portuguesa para promover melhorias nos processos de mineração, ou seja, está fortemente influenciado pela ideia de exploração. O zoólogo Spix e o botânico Martius, escolhidos pelo rei da Bavária para integrar a comitiva da princesa Leopoldina, por ocasião do casamento com D. Pedro I, tendem a perceber a Igreja e o Estado como a base da sociedade, o que é muito questionável, de acordo com Augustin.

“Meu trabalho não é uma descrição naturalista dos relatos desses naturalistas alemães. Procuro uma abordagem crítica da memória cultural que eles ajudam a formar, e isso exige reconhecer que eles partem de uma certa perspectiva e, consequentemente, de interesses diversos”, esclarece o pesquisador, que tem formação em história, ciências políticas e língua e literatura inglesas pela Universidade de Tübingen, na Alemanha.

Valor literário

Se, por um lado, concentrou sua análise na crítica do discurso, Günther Augustin não deu menos valor à investigação sobre o aspecto literário das obras de Eschwege, Spix e Martius. Influenciados pelos relatos de viagem de Alexander von Humboldt, que escreveu sobre a América do Sul buscando a harmonia e a síntese de um “quadro da natureza”, eles queriam produzir textos com valor estético, que tivessem apelo para o leitor. “E conseguiram, especialmente Spix e Martius, que tinham o dom de escrever”, comenta Augustin, que também se preocupou com o leitor quando adaptou sua tese para a publicação em livro. O novo texto tem menos conteúdo teórico. “Quis oferecer material mais inteligível, e acho que o objeto de estudo contribuiu para isso. Afinal, falo de literatura de viagem e de textos com grande capacidade de sedução”, explica o autor, que não por acaso reproduz numerosas citações dos relatos de Eschwege, Spix e Martius.

Conciliar os espíritos de crítica e sedução compõe a fórmula em que aposta Günther Augustin em Literatura de viagem na época de D. João VI. Em diversos momentos, ele esclarece seus objetivos com a pesquisa e o livro. Em sua apresentação, ele afirma que, 200 anos depois das viagens de Eschwege, Spix e Martius, é possível para o Brasil um olhar próprio sobre si mesmo. “À emancipação pela redescoberta dos viajantes seguiria uma ‘reemancipação’ que envolveria releitura dos textos fundadores da memória cultural do Brasil”. É o que ele propõe em seu livro: “uma releitura crítica que desconstrói os textos para ver o que eles têm de construtivo”.

Literatura de viagem na época de
D. João VI
De Günther Augustin
Editora UFMG (Coleção Humanitas)
248 páginas
R$ 37