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Nº 1687 - Ano 36
22.3.2010

Memória e reflexão dentro de casa

Livro reúne relatos de professores negros sobre sua trajetória na UFMG

Itamar Rigueira Jr.

Num tempo em que a questão da desigualdade social, que também envolve a diversidade étnico-racial, tem destaque na pauta de discussões da universidade brasileira, a UFMG buscou dentro de casa material para projeto que registra memórias e reflexões sobre a experiência de mulheres e homens negros que superaram as barreiras ligadas à discriminação. Depoimentos de 16 docentes da Universidade estão reunidos no livro Memórias e percursos de professores negros e negras da UFMG, produzido sob coordenação do Programa Ações Afirmativas.

A obra reúne reflexões do ex-reitor e diretor eleito do ICB, Tomaz Aroldo da Mota Santos, da nova pró-reitora de Graduação, Antonia Vitória Aranha, e das professoras Maria Aparecida Moura, da Escola de Ciência da Informação, e Leda Maria Martins, da Faculdade de Letras, entre outros. “Os entrevistados, homens e mulheres de diferentes gerações e áreas do conhecimento, se reconhecem como negros e tiveram dificuldades socioeconômicas em algum nível. Contam casos de discriminação dentro da própria UFMG e relatam situações de sofrimento solitário em ambiente onde são franca minoria”, explica a professora Inês de Castro Teixeira, da Faculdade de Educação e uma das organizadoras do livro. Os depoimentos foram colhidos na forma de entrevistas narrativas, em que a fala é livre e transformada em texto com interferência mínima.

As entrevistas foram distribuídas a pesquisadores brasileiros de áreas como educação, história oral e discussões étnico-raciais. E eles tiveram inteira liberdade para analisar o material. Segundo Inês Teixeira, esses artigos – assinados por nomes como Miguel Arroyo, professor emérito da Faculdade Educação (FaE), e Verena Alberti, da Fundação Getulio Vargas – “evidenciam a potência e a riqueza das entrevistas, e que o material permite e merece inúmeras outras possibilidades de abordagem”.

Realizado como parte das atividades do Programa de História Oral do Centro de Estudos Mineiros da Fafich e do Grupo de Pesquisas sobre Condição e Formação Docente da FaE, e financiado pelo edital Uniafro, do MEC, o projeto que resultou na produção de livro sobre os docentes já havia gerado a obra Memórias e percursos de estudantes negros e negras na UFMG. Os alunos foram entrevistados por colegas, quase todos também negros, sob supervisão de professores. Neste caso, os relatos são seguidos por comentários dos próprios entrevistadores sobre a metodologia do estudo e sua experiência no trabalho que gerou o livro.

Livro: Memórias e percursos de professores negros e negras da UFMG
Organizado por Vanda Lúcia Praxedes, Inês Assunção de Castro Teixeira, Anderson Xavier de Souza e Yone Maria Gonzaga
Editora Autêntica
277 páginas
O livro pode ser obtido na sala 1.666 da Faculdade de Educação. Informações pelo e-mail acoesafirmativas@yahoo.com.br


Trechos do livro

“Em relação à condição de negro, eu percebo que esse embate não cessa nunca. Se a gente for pensar, a trama que eu começo a tecer desde que eu nasci, os lugares em que vivi, as escolhas que fiz, o embate da questão racial está sempre presente. Lógico que as pessoas tendem a mascará-lo (...) mas os gestos, as ações delas são todas nesse sentido.”

“Tudo que eu tenho é a primeira vez que eu tenho, é a primeira vez na minha família que alguém tem. Mas dizer da condição social que eu mudei completamente, eu não mudei, a minha família não mudou, meus amigos não mudaram. Eu não me sinto pertencente a um certo grupo social que tem na Universidade. Não é porque eu me sinta menor que eles, é porque eu não dou conta mesmo, não faz parte da minha vida, não dá para compartilhar.”

(Maria Aparecida Moura)


 
Foca Lisboa

“Eu descobri que muitas pessoas estranhavam o meu papel de reitor, como negro. Quer dizer, é como se eu estivesse no lugar errado. (...) Estávamos um grupo de congressistas conversando num café em Viena (...) se aproximou de mim um casal e a mulher falou: ‘Pois é, meu marido e eu estávamos conversando sobre se o senhor é um jogador de futebol ou um sambista’.”

“Na UFMG eu nunca tive, salvo raríssimas vezes, manifestações (...) de racismo. Só sei, foram me dizer, que uma ou outra pessoa (...) tenha mencionado: ‘Como é que a UFMG ia ser representada por um negro!’, e que eu não ia ter nível de discussão com o reitor da USP ou quem fosse.”

(Tomaz Aroldo da Mota Santos)