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Nº 1738 - Ano 37
16.05.2011

Aprender, ensinar e DIALOGAR

Primeira turma do curso Formação Intercultural de Educadores Indígenas da UFMG encerra percurso este mês

Marcos Fernandes

Em maio de 1928, o escritor Oswald de Andrade publicava, na Revista de Antropofagia, o Manifesto Antropófago, propondo uma apropriação mais crítica da cultura alheia. Sua ideia era “deglutir” aquilo que de melhor o outro oferecia. Oito décadas depois, o mesmo conceito permeia o percurso da primeira turma de formandos do curso Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei) da UFMG, que terminam no dia 27 deste mês o trajeto iniciado há cinco anos.

De acordo com Maria Inês de Almeida, professora e coordenadora do curso, o projeto representou uma oportunidade de pôr em prática o diálogo intercultural no ambiente acadêmico. “Na convivência com as comunidades indígenas, a Universidade pôde realmente começar a pensar a interculturalidade”, afirma. Os estudantes pioneiros pertencem às etnias Xacriabá, Krenak, Maxakali, Pataxó, Kaxixó, Xukuru-kariri e Aranã.

A iniciativa começou em 1999, quando lideranças indígenas reivindicaram do reitor Francisco César de Sá Barreto a continuidade nos estudos dos professores indígenas que haviam se formado no magistério por meio de programa desenvolvido pela Secretaria de Educação de Minas Gerais em parceria com a UFMG. Comissão foi instaurada dois anos depois com o intuito de criar um projeto de formação intercultural estruturado por percursos acadêmicos em vez da tradicional grade curricular.

À época presidente dessa comissão, Maria Inês conta que a opção por percursos acadêmicos visava atender diversos interesses das comunidades indígenas, que variavam entre cursos como Direito, Medicina, Artes, Linguística, Literatura, Comunicação Social e Ciências Agrárias. “A reivindicação não era pela formação pura e simples de um professor; eles queriam alguém que fosse capaz de agenciar os próprios projetos comunitários. Assim, pensamos numa formação transdisciplinar”, justifica. Na prática, em lugar do conhecimento pronto, os alunos indígenas trabalhariam em sistemas de oficinas juntamente com pesquisadores de todas as áreas da UFMG.

O Fiei se dividiu em duas etapas: intensiva e intermediária. A primeira ocorreu nos campi da UFMG e coincidiu com o funcionamento dos outros cursos. Os estudantes indígenas, dentro do próprio modelo de flexibilidade da Universidade, tiveram liberdade para transitar por aulas e laboratórios nas diversas unidades, formando cada um o seu currículo.

As etapas intermediárias aconteceram nos locais de origem dos alunos, permitindo uma conciliação entre práticas acadêmicas e as atividades docentes em suas escolas. O curso piloto foi avaliado recentemente e aprovado pelo Ministério da Educação com nota máxima. Um dos principais desdobramentos da experiência foi a criação, pelo Reuni, de licenciatura intercultural regular na FaE, que, desde 2009, recebe 35 estudantes indígenas por ano.

Ponte

Ao ser indagada sobre os ganhos do curso, Giselma Ferreira, da etnia Xukuru-Cariri, não sabe dizer se vai levar ou se deixou mais conhecimento. “Aprendi e ensinei”, decreta. Seu depoimento legitima a proposta do programa, que busca construir uma ponte entre as comunidades indígenas e a Universidade. “Os povos indígenas ganharam a possibilidade de construir caminhos, escrituras próprias e de sistematizar seus conhecimentos”, analisa Maria Inês.

Essa sistematização das tradições indígenas é, para a coordenadora, uma das maiores conquistas do curso. Ela cita o exemplo do livro Curar, produzido em parceria com os professores Maxakalis: “Os estudantes tiveram a oportunidade de refletir sobre os processos de cura e colocá-los em diálogo com a medicina ocidental.” A obra é utilizada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) na formação de agentes. “De certa forma, tornou-se necessário que os próprios Maxacalis fossem à universidade e estruturassem um livro para que sua medicina fosse respeitada”, afirma a professora.

O projeto também abre espaço para que a Universidade “enxergue” os índios contemporâneos. “A maioria dos professores e alunos acredita que os habitantes indígenas deixaram de ser índios porque andam de carro, têm relógio, celular, computador ou usam indumentárias diferentes das tradicionalmente associadas a eles”, argumenta Maria Inês.

Agente de mudança

Giselma Ferreira conta que a participação no curso mudou seu ponto de vista em relação à atuação na comunidade. “Nossas lideranças que desconhecem a língua das sociedades não indígenas nos veem como líderes capazes de compreendê-la e fazer o trabalho de tradução”, ela diz. Para Neide Aranã, integrante da etnia Aranã, a participação no projeto contribuiu para mudar a imagem de “selvagem” dos povos indígenas: “As pessoas ainda acreditam que somos incapazes de concluir um curso numa universidade ou ocupar espaços públicos.”

Ducilene Araújo, da etnia Xakriabá, entende que os resultados efetivos só serão conhecidos quando os saberes adquiridos forem levados para as comunidades. Para tanto, os 132 formandos do curso retornam a suas tribos com uma perspectiva mais ampla a respeito de si mesmos. “Aprendemos que todo professor é político”, ressalta Giselma Ferreira.