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Nº 1784 - Ano 38
6.8.2012

Ambiente hostil para a inovação

Dissertação aponta gargalos operacionais e administrativos no Brasil que dificultam pesquisa e interação de universidades e empresas

Ana Rita Araújo

A adoção de estatuto jurídico especial que confira autonomia efetiva às universidades públicas e atenda às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento poderia minimizar os empecilhos à pesquisa e à inovação nas instituições brasileiras de ciência e tecnologia. É o que sugere a auditora Maria das Graças Fernandes Araújo, em dissertação de mestrado desenvolvida na UFMG, na área de propriedade intelectual e inovação. “O estatuto está previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que é de 1996”, lembra.

O trabalho aponta situações que, segundo a autora, caracterizam ambiente adverso, do ponto de vista legal, por “engessarem” administrativamente as instituições. Ao defender melhor compreensão do papel das fundações de apoio, Maria das Graças comenta que talvez o Brasil esteja “perdendo um tempo precioso ao empregar esforços em dificultar as ações dos gestores públicos para evitar corrupção, em vez de investir em modelos administrativos mais ágeis, eficientes e condizentes com a redução das lacunas tecnológicas que separam o Brasil dos países desenvolvidos”.

Na pesquisa orientada pelo professor Rubén Dario Sinisterra Millan, subcoordenador do mestrado profissional em Inovação Biofarmacêutica, ela descreve alguns aspectos normativos e operacionais presentes na interação universidade-empresa no Brasil e compara com a experiência dos Estados Unidos e da Alemanha. A análise traz algumas curiosidades: no início do século 19, na economia em desenvolvimento dos Estados Unidos, livros eram copiados e vendidos sem pagamento dos direitos ao autor e empresas fabricavam equipamentos e medicamentos falsificados. Já o Brasil, em 1873, antes mesmo de abolir a escravidão, foi signatário original da Convenção de Paris, o primeiro acordo internacional em torno da propriedade intelectual.

Burocracia

Maria das Graças Araújo aborda o arcabouço jurídico brasileiro e diz que a legislação pertinente “parece harmonizar-se com as melhores práticas dos países que contam com um sistema nacional de inovação maduro”. Contudo, aponta gargalos operacionais e administrativos que dificultam a pesquisa e a interação com empresas.

Um dos problemas identificados é o fato de as instituições públicas de ensino e pesquisa estarem submetidas ao mesmo regime administrativo de órgãos incumbidos de atividades meramente burocráticas. “As universidades realizam compras sob as mesmas regras usadas na licitação de pontes e estradas”, exemplifica a autora, ressaltando que tais processos são extremamente formais, complexos e cheios de surpresas quanto ao resultado.

Outro aspecto é a fragmentação conceitual da pesquisa: a legislação prevê dispensa de licitação para compras destinadas à pesquisa – equipamentos e insumos – desde que os recursos tenham sido liberados pela Capes, Finep, CNPq ou credenciados por essas agências de fomento. Já as pesquisas financiadas por quaisquer outras fontes não têm reconhecida a especificidade para a realização de compras.
Realizar reparos em equipamentos de pesquisa tem sido um grande desafio, devido ao limite de R$ 8 mil por ano para gastos dispensados de licitação. Depois de atingido esse valor, os demais reparos devem ser licitados e, considerando a diversidade de marcas e modelos dos equipamentos, muitas vezes a instituição conta com a verba, mas encontra dificuldades em utilizá-la. Além disso, “os recursos financeiros públicos ainda são mantidos dogmaticamente em rubricas separadas, o que gera grande volume de lançamentos e de controles para prestações de contas dos projetos”, diz a autora, com a experiência de quem foi pró-reitora adjunta de Planejamento da UFMG durante dez anos.

A composição de bancas examinadoras e a realização de eventos e projetos com a presença de pesquisadores convidados põem as universidades diante de outro impasse: como os demais órgãos públicos, tais instituições não podem adquirir passagens diretamente das empresas aéreas, tendo que realizar licitação para contratar empresas intermediárias, o que eleva o preço dos bilhetes. “Isso onera as pesquisas, provoca perda desnecessária de tempo e exige aparato administrativo do qual, muitas vezes, os pesquisadores não dispõem”, explica Maria das Graças.

Em sua opinião, o país avançou no financiamento público da pesquisa, mas continua submetendo suas instituições a regras que dificultam a tradução dos resultados desses estudos em produtos acessíveis à população. Maria das Graças afirma que as políticas públicas brasileiras de incentivo à inovação não podem desconhecer o impacto gerado pela ausência de um estatuto para as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). “Essas instituições demandam regras flexíveis de gestão, para que o esforço governamental seja concretizado”, defende.

No estudo comparativo com a Alemanha e os Estados Unidos, o trabalho aborda aspectos como mobilidade e consultoria docente e legislação sobre propriedade industrial, sobretudo para inventos decorrentes da relação de trabalho. Também aborda a regulação das start-ups, organizações incubadas pelas universidades, cujos produtos estão em fase de desenvolvimento ou pesquisa de mercado; e das spin-offs, novas empresas que surgem de outras empresas, de universidades ou centros de pesquisa públicos ou privados em geral para explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia.

Fundações engessadas

Concebidas no Brasil há cerca de 40 anos para promover a interação universidade-empresa, as fundações, além de não serem ­compreendidas pelo ambiente organizacional do país, encontram-se tão engessadas quanto as instituições às quais estão vinculadas. “Elas são impedidas de realizar gestão de alguns projetos financiados com recursos públicos, especialmente os de longo prazo”, exemplifica Maria das Graças Araújo.

Como resultado, cabe às universidades, sobrecarregadas com atividades burocráticas, executar esse trabalho. Em outros projetos, a presença das fundações é permitida, mas elas não estão autorizadas a cobrar pelos custos indiretos. “A sociedade quer maior interação universidade-empresa, como ocorre nos países desenvolvidos, mas ainda não compreende o papel das fundações de apoio que se encontram na base dessa relação”, ressalta Maria das Graças.

Ela afirma que o controle social pode estar transformando as universidades públicas em instituições fechadas às mudanças demandadas pela sociedade do conhecimento, o que parece corroborar a metáfora da “torre de marfim” criada por especialistas para designar a fase vivenciada por essas instituições na sociedade industrial.

Outro aspecto dificultador para a pesquisa, em sua opinião, é o ambiente normativo brasileiro, que trata as atividades de ensino, pesquisa e extensão como “caixas herméticas e desconectadas”. As regras vigentes, afirma, não reconhecem tais atividades como dinamizadoras da inovação nem levam em conta seu caráter indissociável, definido na Constituição brasileira. “Ao contrário, existem regras diferentes para cada uma dessas atividades.” A autora afirma que a fragmentação conceitual da pesquisa, aliada ao controle social realizado com base em processos, e não em resultados, dificulta a interação universidade-empresa no Brasil.

Maria das Graças Araújo não vislumbra mudanças no horizonte normativo do país. Ao citar o projeto de lei 2.177/11, em análise no Congresso Nacional, ela comenta que, embora preveja a criação do Código Nacional de Inovação, o projeto continua a tratar a pesquisa que gera inovação de forma fragmentada e dissociada do ensino e da extensão. Segundo Maria das Graças, o documento governamental Estratégias Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, elaborado para o período 2012-2015, tampouco traz perspectivas de alteração desse cenário.