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Nº 1787 - Ano 38
27.8.2012

opiniao

Local, Global e Contemporâneo

Clélio Campolina Diniz*

O Seminário de Economia Mineira completa 30 anos suscitando reflexões a respeito dessa trajetória que não só lhe conferiu maturidade, mas também o consolidou como um dos mais tradicionais e importantes eventos acadêmicos e científicos do país. Tal condição de referência conquistada junto a estudiosos das mais variadas vertentes teóricas de diferentes áreas do conhecimento não decorreu, entretanto, apenas de sua continuidade rotineira ao longo das últimas três décadas. Derivou, muito mais, do fato de se configurar como fórum privilegiado e eclético de um fecundo e rigoroso debate interdisciplinar de ideias que vem intermitentemente congregando gerações distintas de pesquisadores de diversas filiações institucionais em torno de uma agenda temática que, ao ter como fundamento central básico a inserção de Minas Gerais nos planos nacional e global, incorpora questões cruciais da contemporaneidade.

As características inerentes do Seminário – a diversidade teórica, a interdisciplinaridade, a atualidade da pauta de discussões, a perspectiva local/universal e o diálogo entre experientes e jovens pesquisadores – se constituíram desde a sua origem e refletiram, em grande medida, o contexto histórico e institucional em que foi concebido e no qual veio a se desenvolver.

Cabe lembrar que 1982, ano inaugural do Encontro, foi um marco da história política e econômica recente do país. A vitória de governadores oposicionistas nos três principais estados da federação (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) representou um grande revés político-eleitoral do poder estabelecido desde o golpe de 1964, prenunciando a derrocada do regime militar. O fortalecimento da luta pela redemocratização revigorou o debate crítico sobre os problemas nacionais, que, àquela altura, se expressavam na ascendente crise inflacionária e recessiva e no colapso fiscal e financeiro do setor público.

Ao lado de outras reuniões como as da SBPC, Anpec, Anpur e Anpocs, o Seminário de Diamantina também surgiu como espaço para abrigar discussões sobre as dificuldades emergentes e as transformações em curso, mas numa ótica mais específica, delineada pelos programas de pesquisa do Cedeplar, que incluem, além da economia, as áreas de história econômica, demografia e políticas públicas, notadamente no campo do planejamento urbano e regional. O foco recaiu sobre a estrutura produtiva e social de Minas Gerais, mas sem negligenciar as complexas e rápidas mudanças que vinham ocorrendo no Brasil e no mundo. As análises buscaram entender os problemas presentes com base numa interpretação do passado, de modo a vislumbrar alternativas para o futuro do estado, abrangendo integradamente extenso conjunto de assuntos de natureza econômica, social, demográfica, política e cultural, a partir de distintas vertentes teórico-metodológicas.

As edições seguintes replicaram a mesma configuração inicial e hoje, passados 30 anos, acumulou-se um acervo de reflexões singulares, sob a perspectiva de Minas Gerais e do Brasil, que contemplou praticamente todos os temas mais prementes do período. No campo econômico, por exemplo, o encontro formulou a sua crítica particular ao modelo excludente de desenvolvimento do regime autoritário brasileiro, assentado no endividamento externo, na industrialização acelerada e na modernização conservadora da agricultura, chamando atenção para as repercussões de tais decisões de política econômica para as finanças públicas, o mercado de trabalho, a estrutura urbana e as disparidades regionais.

Apresentou as suas análises específicas a respeito do ajustamento ortodoxo da primeira metade da década de 1980, as implicações da restrição do balanço de pagamentos oriunda da transferência líquida de recursos para o exterior para fazer face ao passivo externo do país e as tentativas heterodoxas de equacionar a escalada inflacionária e a conjuntura recessiva. Examinou acuradamente as reformas estruturais de cunho liberal que reinseriram o Brasil e Minas Gerais no fluxo global das finanças e do comércio, incorporando, ainda, novas preocupações globais, como a problemática ambiental, as transformações no mundo do trabalho, as ondas inovativas da acumulação flexível e a reatualização que isso provocou nos paradigmas do desenvolvimento econômico e regional.

Na área da história econômica e demográfica, o evento não foi menos profícuo e se firmou como fórum de discussões de reconhecida relevância, impulsionando a renovação da historiografia de Minas Gerais e, portanto, do Brasil, com investigações baseadas, sobretudo, em fontes primárias dos séculos 18, 19 e 20. Na demografia, os estudos trataram em profundidade dos aspectos relacionados à fecundidade, mortalidade e migração, antecipando muitas tendências da dinâmica populacional brasileira e abrindo novas frentes de investigação científica. Em relação às políticas públicas, os impasses para a economia mineira resultantes do esvaziamento das atividades governamentais de planejamento regional e urbano, do desajuste fiscal e financeiro da administração estadual e das transformações produtivas de longo alcance foram recorrentemente diagnosticados, subsidiando a preparação de planos e propostas de ações, que muitas vezes extrapolaram as fronteiras do estado e orientaram decisões estratégicas.

Em anos recentes, o Seminário aprofundou a sua peculiar característica de discutir temáticas contemporâneas universais a partir de um ponto de vista regional/local e, para tanto, tem acolhido renomados estudiosos de centros acadêmicos de outros países, seguindo em plena convergência o caminho de internacionalização já traçado pela UFMG e tornando ainda mais fértil a estreita interação de experientes professores e especialistas com uma nova geração de pesquisadores.

Um balanço preliminar que se pode fazer dessas três décadas percorridas – e parafraseando o saudoso historiador e nosso professor emérito Francisco Iglésias – é que o Seminário de Economia Mineira já disse muito e muito ainda tem a dizer a respeito dos problemas e desafios de Minas Gerais e do Brasil e da urgência de superá-los a fim de construir uma sociedade mais justa e igualitária.

*Reitor da UFMG, é professor titular do Departamento de Ciências Econômicas da Face.