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Nº 1787 - Ano 38
27.8.2012

Ritmo da cena

Pesquisador da Belas-Artes trata ações de atores no palco como linhas melódicas de uma polifonia cênica

Itamar Rigueira Jr.

Quando começou a colaborar com o Grupo Galpão e o diretor Gabriel Villela, nos anos 90, o professor Ernani Maletta, da Escola de Belas-Artes da UFMG, propôs um processo de preparação de atores que tratasse os conceitos musicais como parte inerente ao teatro, devendo ser aprendidos e experimentados através do movimento, por meio de uma série de dinâmicas corporais. O sucesso da experiência transformou-se em motivação e guia para suas aulas e pesquisas na graduação e pós-graduação em Teatro da UFMG, onde ingressou há 12 anos.

Nos estudos de doutorado, ele desenvolveu o conceito de “atuação polifônica”, que se refere aos múltiplos discursos artísticos de que os atores devem se apropriar para construir sua atuação. E, mais recentemente, aprimorou suas teses em atividades desenvolvidas na Itália, onde esteve por um ano para um pós-doutorado na Universidade de Bolonha.

“Desde o trabalho com o Galpão, defendo que o ator deve se apropriar dos conceitos fundamentais do discurso musical, não a partir das estratégias de uma escola de música, mas utilizando os elementos próprios do pensamento teatral”, explica Ernani Maletta. “Dessa forma, a luz, os elementos do cenário e os movimentos do ator compõem um arranjo que pode ser produzido de forma análoga à do discurso musical.”

Para o pesquisador, conceitos como o de ritmo não são exclusivos do campo da música. O teatro, que tem a ação – e não o som – como matéria-prima, deve aprender como explorar o ritmo ao seu modo. O ritmo, segundo ele, é relação de durações, medidas e quantidades, e base da criação de qualquer coisa. “A escola de música lida com seus conceitos de forma abstrata, e é preciso transmiti-los concretamente para viabilizarmos a ideia de atuação polifônica”, afirma Maletta.

Dobro e metade

A ideia de ‘concretizar’ os conceitos está intimamente relacionada à estratégia pedagógica criada pelo professor da EBA. O estalo veio há cerca de 15 anos, durante o processo de preparação de um ator que tocava flauta em espetáculo do Galpão. Ernani Maletta notou que ele trocava os tempos de duas notas, e ouviu do rapaz, como justificativa, que ele não via lógica nas notações musicais, o que dificultava o aprendizado. “A leitura rítmica é 100% matemática, trata-se sempre de proporção entre durações. Portanto, qualquer pessoa pode aprender. Mas muitas delas não entendem a caligrafia musical, porque seus símbolos não representam graficamente o que significam”, diz o pesquisador.

A estratégia pedagógica elaborada por Maletta tem como uma de suas bases o que ele chama de notação geométrica, que se apoia no círculo e em suas divisões em partes iguais (o semicírculo, o quarto e o oitavo de círculo). Ele considera que encontrou os ícones ideais para representar as noções de dobro e metade, a duração do som e a pausa. Dessa estrutura essencial, deriva uma série de exercícios que permitem a compreensão dos tempos de sons, palavras e movimentos.

“Para os alunos do curso de teatro, a estratégia de fazer a correspondência entre células rítmicas e palavras é interessante para se trabalhar com o ritmo do texto dramático. Um exemplo simples dessa relação é o alongamento de fonemas numa frase quando se quer expressar ironia ou desdém”, ensina o professor da EBA. No caso da dança, ele complementa, a prioridade é para as noções de métrica e fórmulas de compasso, muito presentes no dia da dia do bailarino.

Outro foco de interesse das pesquisas de Maletta é a relação entre harmonia – “encadeamento de acordes que contribui para a definição do discurso musical” – e a dramaturgia do espetáculo – “encadeamento das estruturas cênicas que define o discurso teatral”–, como escreve o pesquisador em seu material pedagógico.

Nova parceria

Cantor, ator, preparador musical de atores, diretor musical e cênico, Ernani Maletta contou com o incentivo de Gabriel Villela e a parceria do Grupo Galpão para desenvolver e experimentar diversos exercícios e estratégias – aprofundados e defendidos em sua tese de doutorado e aplicados em montagens pelo Brasil e trabalhos com o grupo Clowns de Shakespeare, de Natal (RN), entre outros.

A recente temporada italiana rendeu experiências com diretores de lá e, sobretudo, a descoberta das teorias e práticas da professora e artista Francesca Della Monica, com quem tem realizado laboratórios de formação e criação vocal e musical, no Brasil e na Itália. Para a pesquisadora italiana, “Ernani, com sua perspectiva teatral, redesigna as categorias fundamentais da música, como o ritmo, a melodia e a polifonia”.

Maletta destaca que o trabalho conjunto com Della Monica ampliou os projetos de pesquisa de ambos. “Ela também usa figuras geométricas para exercícios de fluxo de voz. A partir dessa parceria, passei a dar mais importância à compreensão da voz na performance como um fenômeno que vai muito além do som e a explorar a utilização de ferramentas de determinado campo para o trabalho com outro, como na memorização por meio das relações entre luz e som”, comenta Maletta.