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Nº 1800 - Ano 39
26.11.2012

opiniao

O Revolucionário veste Prada: Radical chic no movimento estudantil

Philippe Oliveira de Almeida*

A Luiz Majesty
“Tá cada vez mais down no high society.”
(Rita Lee e Roberto Carvalho)

Em 1970, o escritor norte-americano Tom Wolfe publicou, nas páginas da New York Magazine, a célebre reportagem “Radical Chic: That Party at Lenny’s”. Wolfe descrevia uma festa de gala dada pela elite de Manhattan em honra aos Black Panthers e ironizava o engajamento da alta sociedade às causas sociais dotadas de apelo midiático. O capitalismo customiza e agrega valor de mercado às críticas a ele feitas, como o denunciam as estampas de Che em camisas de grife. Assim, o radical chic festeja a ruína do macho adulto branco com coquetéis molotov e cosmopolitan.

A ideologia de esquerda, domesticada e pasteurizada, é vendida, juntamente com tablets e smartphones, a jovens yuppies ansiosos por se libertarem do modo de vida pequeno-burguês no qual foram educados. A recente proliferação de guaranis kaiowás nas redes sociais testemunha a ansiedade neurótica que marca a relação de muitos pós-adolescentes com a classe social à qual pertencem. Para eles, alcançar a maioridade e se desgarrar da família nuclear pressupõe adotar um discurso revolucionário, pero no mucho. É o fetiche da mercadoria: roupas, eletroeletrônicos e “consciência política” são produtos consumidos na promessa de tornar o comprador uma pessoa realizada.

Nas universidades, é a culpa burguesa, e não o ímpeto proletário, que conduz, no mais das vezes, a ação da esquerda acadêmica. Daí que se busque não a transformação do sistema, mas, tão somente, a revolução das consciências, a sublimação do romance familiar que originou essa progênie revoltada. Natural, pois, que se substitua o álcool forte de Marx pela água perrier de Lacan, Foucault e Derrida. A ortodoxia marxista pretendia, por meio da conquista do poder, realizar, finalmente, as promessas iluministas de emancipação do homem. O pensamento pós-moderno contenta-se, em contrapartida, em efetuar críticas culturais e desconstruções de clássicos, numa permanente guerrilha de cátedra em nome da correção política. Constitui-se, em última instância, numa oposição conformada, para inglês ver.

Nessa feira das utopias, o movimento estudantil tem atuado, não raro, como contrabandista – oferecendo, a baixos preços, valores e ideais na moda. Nietzsche profetizava uma era na qual optaríamos por padrões de conduta da forma como escolhemos o vestuário. Ora, para muitos estudantes, o futuro já começou: não são os argumentos, mas o gosto que decide em quais fileiras eles irão militar. Judeu alemão é démodé; guarani kaiowá é tendência. Trata-se de “dar estilo” ao caráter, numa desesperada glamourização do político.

Logo, não é de se estranhar que, na maioria das vezes, os posicionamentos adotados por grêmios, DAs, CAs e DCEs pareçam artifícios, simulações malfeitas do real – “simulacros”, para falar como Baudrillard. São ideais importados, que não nascem espontaneamente das demandas dos alunos que tais órgãos se propõem a representar. Surgem como instrumentos de alienação, pois tornam o movimento estudantil alheio às bases que o sustentam. O radical chic tende a repudiar, por “basista” e “parlamentarista”, qualquer mecanismo de consulta ao corpo discente na tomada de decisões. É a ditadura do bom gosto, geralmente aparelhada ao programa de partidos políticos.

Os revolucionários do movimento estudantil são tão elitistas quanto as associações assistencialistas patrocinadas por celebridades. Inspirados na lógica de Bono Vox, usurpam a voz das massas que afirmam defender: “o alunato, alienado, não sabe o que quer e, portanto, deve ser protegido de si mesmo pelas mentes esclarecidas”. Por anos a fio, o estudante assistiu boquiaberto a militantes que, em seu nome, panfletavam bandeiras que nada tinham a ver com a educação. Contra semelhante ideário, nos últimos tempos, tem-se desenvolvido, no Brasil, uma onda de reações – no que Cedê Silva, em reportagem especial para o Estadão.edu, publicada em 29 de novembro do ano passado, chamou de “Primavera dos sem-partido”. O articulista, à época, fazia menção às eleições dos DCEs da PUC Minas, da UnB, da USP e da UFMG.

Frequentemente acusada pelo radical chic de configurar um golpe da direita conservadora, tal mobilização é vista como uma despolitização do movimento estudantil. Porém, enquanto tentativa de restituir às bases o poder decisório na representação discente, o processo em que nos encontramos pode ser compreendido, antes, como uma repolitização do aluno médio. Nesse sentido, a criação de frentes suprapartidárias representa uma vitória face à fashionização da política apresentada pelos revolucionários. Propondo soluções pragmáticas, “pós-ideológicas”, aos problemas que se desenrolam entre os muros da universidade, ditas frentes buscam atender, com eficiência, aos interesses imediatos do corpo discente. Pretendem firmar suas pautas de atuação a partir de mecanismos dialogais, democráticos e autônomos, respeitando a diversidade dos grupos que representam.

É a volta da Realpolitik ao movimento estudantil. Os militantes, tanto à esquerda quanto à direita do espectro político, têm que se adaptar a um cenário no qual boas intenções devem se traduzir em ações estratégicas. O simulacro de discurso engajado vendido até o momento não é mais que um título podre, um produto pirata. Não é capaz de responder aos desafios da universidade contemporânea. Logo, nos resta indagar: terá o radical chic, enfim, saído de moda?

*Bacharel em Direito, mestrando em Filosofia do Direito na UFMG e representante discente na Câmara de Pós-graduação do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe)