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Nº 1818 - Ano 39
29.4.2013

opiniao

O mito do avanço do conhecimento científico no Brasil 

Paulo Villani Marques* 

Nos últimos tempos, de quando em quando, aparecem nos jornais e revistas manchetes e notícias sobre feitos e avanços das universidades, institutos de pesquisa, órgãos de fomento e outras instituições ligadas ao ensino e à pesquisa e desenvolvimento no país, com base em estatísticas nacionais e estrangeiras, que imediatamente são exploradas pelos dirigentes e gestores, para justificar as práticas e políticas adotadas.

Infelizmente, no Brasil e em muitos países, a avaliação do trabalho das pessoas ligadas ao ensino e à pesquisa vem sendo feita, já há muitos anos, e quase que exclusivamente, por critérios meramente quantitativos, particularmente números de publicações e teses, de doutores e mestres formados, entre outros, e que servem de base para a distribuição de verbas oficiais e outras benesses, com todas as suas consequências.

Vários trabalhos já foram publicados, a favor e contra essa forma de avaliação. Sem querer me alongar muito, o fato é que chegamos a uma situação em que, conscientemente ou não, foi estabelecido um “pacto de mediocridade” não declarado, mas já há muito percebido, em que ninguém critica ninguém e não recusa trabalhos para não receber críticas e não ter trabalhos recusados (nem redução nas suas verbas e fontes de financiamento). Definitivamente não participo desse pacto.

Diferentemente de todas as declarações oficiais, na minha opinião, nunca na história desse país se gastou tanto dinheiro para produzir tanto lixo intelectual, científico e tecnológico, desenvolvido por um número nunca visto de analfabetos científicos e semiletrados na língua portuguesa, portadores de títulos acadêmicos das mais prestigiosas instituições.

Tenho sido convidado para avaliar trabalhos “científicos” submetidos a congressos e revistas da minha área de atuação e fico cada vez mais alarmado com o que observo: artigos totalmente irrelevantes, reproduzindo conhecimento obtido já há pelo menos 10 ou 20 anos, só que agora usando uma linguagem pseudocientífica de última geração.

Experimentos em laboratório são feitos, usando novos equipamentos, modernos e sofisticados, de custo elevadíssimo, para constatar o óbvio, que está nos livros há pelo menos uma década, ao que parece, apenas para justificar sua aquisição e aumentar o número de publicações de seus autores. E o pior: escritos com total desrespeito às regras mais elementares da Língua Pátria, com erros crassos de concordância, gênero e número.

Há uma carência enorme de conhecimento técnico e científico, de rudimentos de português, de raciocínio lógico e de método científico, e uma sobra crescente de pessoas com os mais variados e pomposos títulos de aperfeiçoamentos, especializações, pós-graduações, pós-doutorados e outros tantos, que só servem para aumentar mais uma vez os números de estatísticas desnecessárias e irrelevantes, além da arrogância de seus detentores.

Em nosso surreal país, a pesquisa científica é desenvolvida principalmente nas universidades e está atrelada ao ensino de nível superior; o resultado é que temos nessas instituições professores e pesquisadores cada vez mais mal preparados, iludidos com sua “alta produtividade”, equivocadamente superestimada e incentivada pela política oficial, formando cada vez mais profissionais incompetentes e com mais títulos, que não conseguem atender às necessidades da população e do país, uma indústria dependente de mão de obra especializada e tecnologia importada e que perde competitividade a cada ano.

Claro, existem exceções, de pequenos grupos ou pessoas produzindo com qualidade, em número muito menor que o necessário ou desejável, cuja competência é explorada para divulgar a ideia totalmente enganosa de que toda a instituição a que estão ligados é igualmente capaz e produtiva, e/ou de que a política atual de ciência e tecnologia tem produzido resultados surpreendentes.

Reproduzo a seguir algumas “pérolas” encontradas em artigos submetidos/publicados em congressos e periódicos científicos e/ou teses/dissertações acadêmicas que tive em mãos:

....temperaturas próximas à metade da temperatura do ponto de fusão do metal...

Fulano [referência] indica aproximadamente sete teorias que explicam...

A combinação de diferentes materiais a nível microestrutural...

Os micro-vazios da Figura X contorna exatamente a interface do material que flui plasticamente.

...a distribuição dessas tensões são proporcionais ao gradiente...

A figura XX destaca a conecção dos termopares ao sistema...

Foi usado um aço automobilístico laminado a frio...

Na literatura não se encontra se quer um trabalho sobre...

E, para completar o quadro, estamos vendo nos últimos meses a divulgação dos números impressionantes do programa Ciência sem Fronteiras, pelo qual, na maioria dos casos, estudantes brasileiros vão realizar “turismo científico” com verbas públicas, em inexpressivas e desconhecidas cidades ao redor mundo, para receber um ensino igual ou pior ao que têm aqui.

A meu ver, é por essas e muitas outras que vamos continuar sendo sempre o país do futuro...

* Professor associado do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG