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Nº 1818 - Ano 39
29.4.2013

De cerâmicas e tambores

Feira do Vale do Jequitinhonha volta a homenagear mestres do artesanato da região

Raissa Faria*

O artesanato em barro e os tambores de couro que há anos projetam o Vale do Jequitinhonha para o mundo serão representados, nesta edição da Feira do Artesanato do Vale Jequitinhonha na UFMG, por dois de seus grandes mestres artesãos. O tamborzeiro Antônio de Bastião e a ceramista Lira Borges serão os homenageados da 14ª edição do evento, marcada para o período de 6 a 11 de maio na Praça de Serviços. Proposta pelos próprios artesãos como forma de reverenciar seus mestres, a homenagem acontece há cinco anos durante a Feira.

O Vale é internacionalmente conhecido pelo artesanato em cerâmica, tecelagem, cestaria, esculturas em madeira, trabalhos em couro, bordados, pintura e desenho. Além de revelar traços da identidade local e regional, a atividade é a principal fonte de renda de muitas famílias. “Os principais resultados são a divulgação do trabalho artesanal e a valorização dos saberes dos mestres artesãos”, resume Terezinha Furiati, coordenadora do evento.

Uma das ações do Projeto de Extensão Artesanato Cooperativo, a Feira representa importante fonte de receita para os artesãos. “Hoje eles conseguem viver do ofício; vendem muito mais e vários revelam: ‘estudei meus filhos com artesanato’”, destaca Terezinha.

Além de espaço de comercialização da produção, o evento favorece a integração e a criação de soluções e de trocas técnicas. E, ao mesmo tempo em que dá visibilidade às manifestações culturais do Vale, desperta os próprios artesãos para a importância da pesquisa constante e do aperfeiçoamento de técnicas. A última edição atraiu cerca de 13 mil visitantes, com comercialização de R$ 175 mil. A parceria entre as prefeituras dos municípios do Vale e a Universidade permite a participação sem gastos para os artesãos.

Pelo menos 48 associações de 22 municípios do Vale terão estandes durante a edição deste ano. Haverá apresentações artísticas, lançamentos de DVDs sobre os mestres artesãos, rodas de conversa e oficinas.

Com as cores da terra

Maria Lira Marques Borges nasceu em 1945, em Araçuaí (MG), onde reside até hoje. Filha de sapateiro e lavadeira, começou a trabalhar cedo ajudando a mãe em atividades domésticas. Lira cursou até a sexta série primária. “Desde que eu peguei um tamanhozinho a mãe me pôs para lavar roupa, buscar lenha”, conta. Também foi com a mãe que Lira aprendeu a fazer artesanato. Com o objetivo de aperfeiçoar as peças que confeccionava, buscou orientação sobre técnicas de cerâmica com Joana Poteira, artesã da região.

Lira produz máscaras de cerâmica, pinturas com pigmentos de terra sobre papel e pedra. Seus trabalhos, inspirados por elementos das culturas africana e indígena, expressam o misticismo e os sentimentos presentes na cultura do seu povo. “Amo aquilo que eu faço. É o que me dá vontade de viver”, comenta a artesã, que também é cantora e integra o coral Trovadores do Vale, fundado por ela e por Frei Chico, padre holandês radicado no Brasil desde 1968.

Conversa com Deus

“O som dos tambores conversa com Deus, com os anjos da guarda. O som dos tambores bate forte no coração do ser humano. Os tambores são fontes de vida”, sentencia Antônio Luiz de Matos, conhecido como Antônio de Bastião, que tem os tambores como companheiros desde a infância.

Morador da comunidade de São Bendito do Capivari, na zona rural de Minas Novas (MG), onde nasceu em 1942, Antônio de Bastião trabalhou como agricultor junto com os oito irmãos e seus pais. Descendente de índios e africanos, aprendeu o ofício da luteria de tambores e caixas de linha africana com o avô paterno Artur Luiz Pereira.

Reconhecido como mestre, Antônio de Bastião é referência na fabricação de tambores, caixas, zakumbus, caixas tamborins, reco-recos e já ensinou o ofício em diversas oficinas pelo Brasil. “Eu continuo ensinando e aprendendo, passando para as pessoas de boa vontade que querem aprender”, afirma.

O mestre produz tambores diferenciados e busca legitimar a identidade africana. A luteria segue os conhecimentos de seu povo: a madeira deve ser cortada “três dias depois da minguante”; o couro deve “ficar ao sol, secando, até ficar estalando”.

Além disso, o cuidado e a relação com a natureza são essenciais no trabalho do artesão. “Você deve chegar, entrar no cerrado e saber colher as madeiras sem prejudicar o meio ambiente. E mesmo sendo oferecido pela própria natureza, você tem que compartilhar.”

Em 2009, Antônio de Bastião recebeu o Prêmio de Mestre de Culturas Populares Dona Isabel, do Ministério da Cultura. “É o reconhecimento do modo de fazer e do cuidado que tenho com o instrumento”, afirma.