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Nº 1818 - Ano 39
29.4.2013

O bônus está acabando

Tese prevê colapso da saúde suplementar já na próxima década caso não se adotem medidas de reestruturação para o setor

Ewerton Martins Ribeiro

O Brasil vive a era do bônus demográfico: a população ocupada, que gera riqueza, é maior que a dependente, mantendo equilibrado o sistema econômico-financeiro. Tal cenário, contudo, está prestes a mudar, e isso vai gerar sérias consequências para o país – incluindo o setor de saúde suplementar, que corre grande risco de entrar em colapso e se tornar inviável economicamente já na próxima década.

Esse é o horizonte vislumbrado pela tese Mudanças demográficas no Brasil e sustentabilidade dos planos de saúde, do pesquisador Fernando Kelles. O estudo delineia quando, quanto e como as mudanças demográficas (em especial na estrutura etária da população) impactam a sustentabilidade do setor de saúde suplementar e sugere caminhos para se evitar a implosão do sistema.

Os planos de saúde, em sua média, vão atingir o equilíbrio despesas/receita já em 2020. Os planos coletivos, em especial, atingem o marco até 2023. No entanto, o cenário que mais preocupa é o panorama dos planos individuais. Segundo o estudo, eles já são deficitários, sendo sustentados pelas demais carteiras de clientes dos planos de saúde. “Vale salientar que nesse estudo não se considerou o aumento de gastos devido à atualização tecnológica nem à inflação nem à parcela de lucro que é necessária para o crescimento das empresas. Nesse sentido, é provável que o ponto de equilíbrio dos planos seja atingido antes mesmo dessas datas”, alerta Kelles.

A partir dessa perspectiva, a tese defendida na Faculdade de Ciências Econômicas (Face) cria um modelo preditivo para as próximas décadas que permite quantificar o resultado das mudanças demográficas sobre os planos de saúde e inferir sobre sua sustentabilidade econômica. “Produzimos um roteiro que pode ser aplicado a qualquer plano de saúde para projetar a sua situação futura e, a partir dela, tomar já as providências necessárias”, explica o pesquisador.

Pirâmide invertida

As taxas de mortalidade e fecundidade estão em queda mundo afora, e o Brasil acompanha a curva internacional. Por um lado, os idosos brasileiros (65 anos ou mais) vivem cada vez mais. Em contrapartida, a Taxa de Fecundidade Total (TFT), que era de 6,3, em 1960 (IBGE, Censo de 1960), caiu para 1,9 em 2010. São tendências que têm gerado redução do ritmo de crescimento da população infantil e o crescimento das faixas etárias mais elevadas. Estas, além da expectativa de vida cada vez maior, seguem recebendo aqueles que integraram, no passado, o grande contingente da população jovem. “É um quadro em que poucos trabalham para sustentar muitos aposentados”, resume Fernando Kelles.

Os números dão a medida do desafio. Em 1991, os idosos correspondiam a 4,8% da população; em 2000, chegaram a 5,9%; e em 2010 já eram 7,4%. “Esse processo está levando o país a apresentar uma estrutura etária com o formato de pirâmide invertida, e isso afeta todas as atividades e necessidades de assistência do país. Na previdência, por exemplo, o país precisa buscar formas de manter as pessoas empregadas por mais tempo”, interpreta o demógrafo.

Por enquanto, o bônus demográfico permite que o sistema se mantenha sustentável, mas já na segunda metade da década de 2020 as mudanças demográficas vão mitigar os seus efeitos. “No que diz respeito aos planos de saúde, haverá menos mercado para os planos coletivos empresariais, de forma que os clientes de planos individuais (que são os mais deficitários) terão ainda mais relevância na proporção das carteiras. É um cenário insustentável economicamente”, afirma Kelles.

Prêmio para quem se cuida

“Como política para se tentar reduzir ou pelo menos estabilizar as taxas de utilização de serviços de saúde com a idade é importante investir na prevenção de fatores de risco para a saúde e no estímulo aos hábitos saudáveis de vida”, pondera Fernando Kelles, em seu estudo. Uma ação, segundo o pesquisador, seria a criação de modelos de plano em que o custo diminui gradativamente, no decorrer do tempo, caso não haja utilização. “Seria algo similar ao que já acontece em outras formas de seguro, como o de automóvel”, compara.

Fernando Kelles alerta que, de toda forma, é necessário contemplar o peso do envelhecimento populacional na correção do valor das mensalidades dos planos de saúde. “Para tanto, é importante que haja modalidades variadas que possam atender aos mais diferentes orçamentos familiares”. O estudo sugere, por exemplo, planos que não cubram internações, que podem ser mais baratos, ou em que as internações tenham uma coparticipação expressiva. As internações, lembra ele, representam cerca de 50% dos gastos assistenciais da saúde suplementar.

O demógrafo adverte, porém, que não basta aumentar os preços da assistência, uma vez que logo se chega a um patamar em que as pessoas não conseguem mais arcar. “O setor de saúde suplementar terá que ser reinventado. E a hora é agora, enquanto os planos coletivos ainda conseguem subsidiar a perda provocada por planos individuais”, afirma Fernando Kelles.