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Nº 1819 - Ano 39
6.5.2013

A democracia deliberativa baseia-se no ­princípio de que as decisões tomadas coletivamente devem ser frutos de debate constante entre diferentes atores sociais. O objetivo é que mais segmentos tenham a possibilidade de participar do processo deliberativo, que deve transcorrer em instâncias informais da sociedade e nas próprias instituições políticas. “A ideia é pensar a democracia como processo de permanente discussão, e isso vai além da participação, pois busca solucionar problemas de eficácia política, legitimidade e justiça social”, explica Rousiley

Essenciais para a democracia

Livro de professora do Departamento de Comunicação revela papel dos media de massa para os processos de deliberação pública

Ewerton Martins Ribeiro

Na contramão de algumas visões do senso comum os media de massa não fazem necessariamente mal à democracia; antes podem impulsionar o próprio processo democrático. A análise é feita pela professora Rousiley Maia, do Departamento de Comunicação Social da UFMG, no livro Deliberation, the media and political talk, que acaba de ser lançado no Brasil pela editora norte-americana Hampton Press. As reflexões resultam de trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa sobre Mídia e Esfera Pública, coordenado pela autora no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Fafich.

Rousiley faz uma investigação teórica da democracia deliberativa , com vasta revisão da literatura, e analisa a ação recíproca entre os media e a deliberação. O cientista político Jürg Steiner, professor emérito da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, EUA, e da Universidade de Berna, na Suíça, dá a medida da complexidade do tema. “Os media sempre foram problemáticos para o modelo deliberativo. Primeiramente, é muito difícil estabelecer a qualidade deliberativa de seus conteúdos; em segundo lugar, na medida em que há bons dados empíricos, eles são frequentemente hostis à deliberação”, aponta.

Os resultados da obra de Rousiley, no entanto, apontam em outra direção, como reconhece Jürg Steiner. Ele acredita que o livro dá um grande passo adiante por articular discussões teóricas e normativas com casos empíricos que tratam de obstáculos e de oportunidades oferecidas pela comunicação para o desenvolvimento da democracia deliberativa. Peter Dahlgren, professor emérito da Universidade de Lund, na Suécia, entende que a obra surge como “contraponto para o quadro bastante sombrio que geralmente encontramos sobre os media massivos no tocante às suas funções na esfera pública”.

Os estudos de Rousiley demonstram que os meios de comunicação de massa podem atuar positivamente em relação à deliberação. Primeiro, eles trazem um conjunto de temas relevantes que podem se tornar objeto de debate público. Depois, fornecem uma plataforma que atua como arena de debate cívico. Por fim, possibilitam a conexão de diferentes setores da sociedade – em especial com o auxílio da internet e das redes sociais.

Casos empíricos

O livro concilia discussões teóricas e filosóficas sobre democracia deliberativa com o estudo de seis casos ancorados em eventos cotidianos. Na segunda parte do livro, sob o título Deliberação mediada, a autora e seus colaboradores tratam de três episódios: o referendo de 2005 sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições no Brasil; o sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro, em 2000; e a abordagem da homossexualidade nas telenovelas A próxima vítima (1995) e Torre de babel (1998-1999).

Em relação ao referendo, a autora discute os processos de argumentação e barganha na deliberação democrática. “Este caso exemplifica situações em que a argumentação e a barganha se imbricam de forma a levar a discussão a resultados totalmente inesperados”, explica a pesquisadora.

Já no caso do sequestro do ônibus 174, discutiu-se a demanda por prestação de contas pelos representantes políticos. “Nosso estudo foi no sentido de perceber que a comoção, o uso da dramaticidade e a exploração de histórias de vidas pessoais nem sempre são ruins para os debates”, afirma a autora, para quem a cobertura dos media colaborou para “dar visibilidade pública a uma demanda por segurança por parte dos cidadãos e de movimentos sociais e para desencadear diferentes formas de prestação de contas: profissional, política e legal”.

As novelas A próxima vítima e Torre de babel, por sua vez, trouxeram em suas tramas vínculos homoafetivos. “Algo que era implícito passou a ser tema de discussão naquela época. Aqui, o mote teórico foi a forma como o apelo emocional, focado na experiência do sujeito, mobiliza as pessoas a se engajarem na discussão’, esclarece Rousiley.

Na terceira parte do livro, intitulada A conversação política, a autora e seus colaboradores investigam como pessoas ordinárias discutem os materiais dos media e produzem razões públicas “de baixo para cima”. Três casos empíricos são tratados. O primeiro discute como as beneficiárias do Bolsa-Família entendem os méritos e problemas deste programa para que possam superar a pobreza e conquistar autonomia.

O segundo caso focaliza a tematização pública de conflitos sociais, através de abordagens “diplomáticas” ou que explicitam o confronto. O foco é o Programa de Enfrentamento do Trabalho Infantil Doméstico no Pará e como empregadoras na cidade de Belém percebem o problema. O último caso trata da conexão de diferentes arenas discursivas e generalização de questões de interesse comum. A investigação recai sobre o fechamento de hospitais-colônia para portadores de hanseníase. O episódio é discutido em encontro nacional de pessoas com a doença, no jornal do movimento social desta coletividade e em veículos da grande imprensa.

Livro: Deliberation, the media and political talk
Autora: Rosiley C. M. Maia
Coautores de capítulos: Ângela C. Marques, Danila Cal e Ricardo Fabrino Mendonça
Editora: Hampton Press