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Nº 1852 - Ano 40
17.02.2014


Encarte
17.02.2014

Um novo caminho

Curso capacita detentos em piscicultura; peixes criados em presídio abastecem instituições de Neves

*William Campos Viegas

Os gansos caminham lentamente pela orla do lago e, entre as dezenas de árvores, os pássaros cantam em perfeita sintonia. Cenas como essas, típicas do ambiente rural do interior mineiro, também integram a paisagem da Casa de Detenção Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, palco das atividades do projeto de extensão Capacitação em piscicultura - Penitenciária Dutra Ladeira, do curso de Aquacultura, da Escola de Veterinária da UFMG. No presídio, localizado a 35 quilômetros de Belo Horizonte, os detentos aprendem a criar e manusear peixes que, posteriormente, são doados a instituições carentes do município.

Iniciada em julho de 2011, a iniciativa, pioneira no Brasil, já realizou seis despescas – fase em que os animais atingem o crescimento ideal para o consumo – e quase sete mil quilos de tilápias foram distribuídos a entidades e comunidades carentes de Ribeirão das Neves. A sétima retirada ocorrerá no mês que vem e duas toneladas de peixes beneficiarão 22 instituições – creches, escolas, asilos e entidades não governamentais (ONGs) – cadastradas no Banco de Alimentos do município e os moradores da vila Hortinho, localizada nas imediações da penitenciária. “Os peixes estão se desenvolvendo muito bem, o que indica que os presos conduzem o trabalho de maneira eficiente”, ressalta Edgar de Alencar Teixeira, coordenador da ação de extensão e professor do Departamento de Zootecnia da UFMG.

A qualificação – preparada para receber de seis a oito apenados – é dividida em teoria e prática e dura até as tilápias atingirem o peso ideal para serem abatidas. Supervisionados por dois estudantes de pós-doutorado que integram a equipe, os detentos aprendem como tratar os animais, que ração utilizar em cada fase da vida, como fazer a higienização do local e a despesca. Eles são responsáveis pela manutenção dos seis tanques de quatro metros cúbicos cada, com capacidade para receber até 750 tilápias. “Duas vezes na semana cuido dos peixes, fico atento à alimentação e à temperatura da água. Só participa do treinamento quem realmente deseja mudar de vida, quem quer a qualificação”, afirma Reinaldo Martins Sena, um dos alunos do projeto.

Fruto de parceria entre a Universidade, o Ministério da Pesca e Aquicultura e a Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, o treinamento em ambiente carcerário foi um desafio para o coordenador. “Quando as instituições entraram em contato com a Escola de Veterinária solicitando que ensinássemos a técnica da piscicultura aos detentos, tive receio em relação à segurança, pois nunca havia entrado em uma penitenciária. Com o tempo, a equipe aprendeu a lidar com pessoas de diferentes perfis e conquistou a confiança delas. É uma experiência diferente”, conta Edgar.

Sensação de liberdade

Mais do que a certificação, a remuneração de um terço do salário mínimo e o direito de remissão da pena – a cada três dias trabalhados o participante pode abater um dia na sentença a cumprir –, o projeto de extensão contribui para a ressocialização. “Tentamos mostrar que todo esse trabalho e empenho trazem benefícios para eles”, diz Edgar.

Ex-participante com certificado na mão, Júnior Roberto da Silva conta que o curso foi fundamental para a o seu bem-estar psicológico. “A rotina aqui mexe com a nossa mente. Na cela, o nosso pensamento é fixo, mas trabalhando é como se estivéssemos livres. É gratificante saber que os peixes beneficiarão escolas, creches e, além disso, a ação quebra a barreira do preconceito, pois as pessoas não conhecem o outro lado de quem está preso e a outra imagem da penitenciária. Com a capacitação, podemos trabalhar e seguir novo caminho lá fora”, afirma.

Doutorando em Zootecnia e integrante do projeto, Samuel de Assis Prado destaca que a ação é um retorno da Universidade à população. “A UFMG é mantida com dinheiro público e esse investimento deve voltar para a sociedade. É uma alternativa de renda e as chances dos participantes voltarem a cometer delitos podem ser menores”, aposta o estudante.

Segundo o diretor-geral da Dutra Ladeira, Rodrigo Machado, além da formação profissional, a qualificação humaniza a pena. “Com auxílio de um caminhão da Sedes, os detentos levam os peixes aos moradores e, assim, podem se reaproximar novamente da sociedade, além de sentir o prazer de ajudar o outro. A iniciativa também permite que eles sonhem com outro futuro ao sair da penitenciária. Um dos participantes, por exemplo, conseguiu o direito de cumprir pena domiciliar e construiu dois poços artesianos no sítio onde mora para criar os animais”, ressalta Machado.

* Estagiário voluntário de jornalismo na Assessoria de Comunicação da Pró-reitoria de Extensão da UFMG