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Nº 1852 - Ano 40
17.02.2014
Encarte
17.02.2014
Itamar Rigueira Jr.
O movimento (kínesis, em grego) foi tema central de alguns dos mais importantes filósofos antigos. E como parte da reflexão sobre a ideia de transformação e crescimento, eles trataram do tempo. Mas, se na contemporaneidade a noção de tempo está ligada à vida cotidiana, aqueles pensadores se ocupavam do assunto para explorar questões mais amplas como a distinção entre o ser e o não ser e entre atemporalidade (eternidade) e temporalidade.
Três traduções inéditas foram reunidas no volume Tratados sobre o tempo: Aristóteles, Plotino e Agostinho (Editora UFMG), organizado pelos professores Fernando Rey Puente, do Departamento de Filosofia da UFMG, e José Baracat Júnior, do Departamento de Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “A reunião de escritos desses três importantes filósofos reflete a importância que a pergunta sobre o tempo adquiriu em nossa época graças a pensadores como Henri Bergson e Martin Heidegger, mas também à teoria da relatividade de Albert Einstein, que estabeleceu relação indissociável entre tempo e espaço”, explica Rey Puente.
Segundo ele, o que distingue a contemporaneidade quanto ao interesse pelo tempo é a ênfase dada à finitude e à precariedade da existência. O foco dos antigos, ao contrário, está no que não é perecível, ou seja, a discussão não está restrita à vida humana.
O grego Aristóteles, que viveu no século IV a.C., trata do tempo em cinco capítulos (dez a 14) do quarto livro da Física, obra dedicada a entender os entes móveis (ou entes naturais, que se movem por si mesmos). “Se Platão havia sustentado que só pode haver ciência daquilo que é, Aristóteles defendia que haveria, sim, a ciência do que é ‘no mais das vezes’, como a semente, que tem a potência de vir a ser árvore”, comenta Fernando Rey Puente.
Ele explica que Aristóteles define o tempo como número do movimento, estabelecendo a relação entre o instante anterior e o posterior. A vantagem seria poder comparar séries cinéticas distintas, como o desabrochar de uma flor e o percurso de um ponto a outro. “A aferição subjetiva do tempo, que é a que mais importa para nós – esperar o parto de um filho parece durar muito mais que o mesmo tempo que passamos em companhia da pessoa amada –, não está em questão.”
Plotino (205 a 270), que, diferentemente dos pensadores cristãos, pregava a salvação pela compreensão da filosofia, reflete sobre o tempo a partir da discussão sobre a eternidade. Seus escritos partem de concepção da realidade baseada em um princípio simples (uno ou bem) que produz o intelecto; este, por sua vez, dá origem à alma, que é uma só, mas se individualiza nos corpos. Para ele, a eternidade é a vida do intelecto, e o tempo, a vida da alma. Como escreve Baracat em introdução ao texto de Plotino, o filósofo “recusa enfaticamente a identificação da essência do tempo com qualquer tipo de movimento cósmico ou corpóreo. É a primeira vez na história da filosofia que o tempo é decididamente subordinado à alma”.
De Santo Agostinho (354-431), o texto escolhido é o livro XI das Confissões. “É seguro que Agostinho relaciona o tempo à alma, e também parece certo afirmar que ele se refere à alma humana e reflete sobre a experiência humana do tempo”, analisa Baracat. Agostinho enxerga o passado, o presente e o futuro como as três partes do tempo – que seria irreal uma vez que o futuro (ainda) e o passado (já) não existem, e o presente é um instante fugidio, sem extensão. Mas como explicar que podemos medir o tempo e perceber que ele passa? “Agostinho resolve esse mistério com a ideia de distensão da alma: o futuro é a expectativa da alma; o passado, a memória; e o presente, a intuição”, escreve Baracat.