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Nº 1854 - Ano 40
10.03.2014

opiniao

Os novos bandeirantes

Flávia Henriques de Souza (*)

Vagner Luciano de Andrade (**)

A saga bandeirante por regiões desconhecidas do interior do Brasil Colônia a partir do século 16 e o consequente desbravamento dos sertões marcaram a atual configuração do território brasileiro e de sua sociedade. Em terras mineiras, o desbravamento a partir das entradas paulistas impulsionou a política extrativista mineral. Com a possibilidade de abundante e fácil riqueza, grande parte do território mineiro foi explorada de forma extenuante gerando inúmeros impactos socioambientais.

Alguns testemunhos ecológicos, geográficos e históricos do período colonial ainda despontam na paisagem mineira, sobretudo no Quadrilátero Ferrífero, onde se encontram ruínas e construções daquela época e vestígios silenciosos de tempos passados. Aqueles testemunhos que permaneceram íntegros, resistindo à ação do tempo, à expansão da malha urbana, a depredação e às modernidades e avanços do cotidiano atual, podem por sua vez enriquecer o processo de ensino e aprendizagem por meio de ações de turismo pedagógico.

A proposta do turismo educacional se difere do turismo convencional em decorrência do lazer não ser o principal objetivo, mas sim o aprendizado. Recentemente, diversas instituições passaram a adotar essa atividade pedagógica como complemento e aprimoramento do ensino tradicional. A preocupação do trabalho é contribuir para a formação integral do aluno, capacitando-o para se tornar o sujeito de sua própria história, cidadão do/para o mundo. O sucesso de um trabalho que promova novos comportamentos e fundamente processos de sensibilização e conscientização depende muito da concepção e aplicação de uma atividade de turismo educativo. É indispensável criar no aluno o sentimento de pertencimento, identidade e civilidade, estimulando-o à curiosidade e à produção do conhecimento. Nesse contexto, é necessário identificar suas dificuldades, relacionado-as ao conteúdo trabalhado, de modo a torná-lo interessado, questionador e reflexivo.

Quem desenvolve ações educativas nessa área deve ter o perfil de um educador e o jogo de cintura de um guia de turismo, sendo dessa forma um guia-educador com todas as suas possibilidades e limitações. São necessárias habilidades como domínio de conteúdos, adaptação de vocabulário, zelo pela segurança da turma e impecabilidade no tratamento de alunos e professores guiados. O domínio de conteúdos, por sua vez, se atrela interdisciplinar e transdisciplinarmente ao projeto pedagógico da escola, estabelecendo conexões e diálogos. O conhecimento, nessa perspectiva, vai muito além da atuação/formação profissional do guia-educador, exigindo a necessidade de constante aprimoramento e a capacidade de interação com outras áreas do conhecimento.

Tendo por base legal as propostas de requalificação, melhoria e inovação da Educação Básica Nacional, expressas na atual Lei de Diretrizes e Bases (lei federal 9.394) sancionada em 20/12/1996, o Guia pode atuar combinado a propostas didáticas de leitura de a partir de conteúdos de ciências biológicas, geografia e história. Através do turismo estudantil tais conteúdos são vivenciados e aplicados à realidade, compreendendo e estabelecendo relações entre teoria e prática e resignificando a vida em sociedade, contribuindo assim para uma formação humana ampla e integral. Partindo dos princípios da sustentabilidade, educação ambiental e integridade ecológica, existem vários mosaicos de paisagens a serem apresentados a alunos do ensino fundamental com o intuito de aplicação pedagógica dos conteúdos aprendidos em sala de aula.

Um bom exemplo pode ser o do professor de história, que ao trabalhar no turismo pedagógico não se limitará apenas ao conteúdo específico. Enquanto se desloca num determinado percurso com uma turma de alunos para um atrativo cultural ou natural, pode realizar uma leitura de paisagens ao longo da estrada/rodovia. Nessa atividade, o educador/guia de turismo desenvolve relevantes aspectos no que se refere à educação para a cultura e natureza, abordando questões contemporâneas como meio ambiente, vegetação, relevo, mineração e impactos, lagoas e recursos hídricos, processo de desmetropolização, alternâncias entre áreas rurais e urbanas, modos de ser/estar, saberes e fazeres.

Em uma leitura de paisagens, vários são os aspectos abordados – ecológicos, geográficos e históricos – e vários elementos bióticos, abióticos e antrópicos são elencados: apropriação do espaço, bacia hidrográfica e recursos hídricos; cadeia alimentar, transferência de energia e níveis tróficos; ciclos biogeoquímicos; conceitos básicos de ecologia e conservação da natureza; ecossistemas, biomas e relações; educação ambiental; estágios de sucessão ecológica, geo-história, oralidade e memória. Teoricamente assuntos complexos são adaptados e didatizados, sempre com o cuidado e a primazia de adaptar as abordagens e a linguagem de acordo com a realidade sociocultural e faixa etária dos educandos.

No entorno belo-horizontino, num raio de aproximadamente 100 quilômetros, várias são as paisagens que podem ser trabalhadas com diferentes alunos do ensino fundamental. As mais tradicionais são Belo Vale, Congonhas, Gruta da Lapinha, Mangabeiras, Ouro Preto, Serra do Caraça, Vale Verde, dentre outras que potencializam vários focos de abordagem pedagógica. Dessa forma, os alunos contemporâneos se caracterizam como novos bandeirantes a desbravarem as paisagens locais, caracterizando-as e contextualizando-as dentro de nova proposta educativa, cultural e socioambiental.

* Licenciada em História pelo Centro Universitário Newton Paiva e especialista em Turismo e Desenvolvimento Sustentável pelo IGC/UFMG. Guia regional/nacional de turismo pedagógico

** Educador/mobilizador da Rede Ação Ambiental com formação nas áreas de Geografia, Meio Ambiente e Turismo. Guia regional/nacional de Turismo Pedagógico