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Nº 1854 - Ano 40
10.03.2014

Um golpe para não esquecer

Pós-graduação em História organiza seminário em torno da ditadura, abordando memória, transição, ativismo e relações com o Cone Sul

Itamar Rigueira Jr.

O golpe militar de 1964 e a ditadura que durou 21 anos no Brasil têm sido tratados sobretudo pelo viés da memória gerada pela experiência. Além disso, os debates sempre foram contaminados pelos efeitos do trauma e pelas paixões de um lado e do outro. Cinquenta anos depois, é hora de discutir os legados da ditadura com mais objetividade, aproveitando também a grande quantidade de documentos que se oferecem com a abertura de arquivos. Com esse espírito, será realizado no campus Pampulha, de 18 a 20 de março, o seminário 1964–2014: Um olhar crítico, para não esquecer.

“Há mais material produzido sobre o golpe e a ditadura em áreas como jornalismo, ciência política e sociologia que na da historiografia. A iniciativa do seminário pretende revelar trabalhos importantes que já vêm sendo produzidos e estimular jovens historiadores a se debruçar sobre o tema”, afirma o professor Rodrigo Patto Sá Motta, do Departamento de História da UFMG e coordenador do evento. Para ele, há um longo caminho a percorrer. “O papel da academia é produzir conhecimento de qualidade, contemplando diversos pontos de vista com distanciamento. Temos o compromisso cívico de abordar a ditadura para mostrar às novas gerações que há muito pouco tempo o país viveu sob um regime que cancelou direitos e assassinou opositores.”

Sá Motta, que lança este mês o livro As universidades e o regime militar, ressalta que os temas relacionados à ditadura são absolutamente atuais, uma vez que a sociedade brasileira vive a herança desse período em aspectos diversos. “Foi um tempo de regressão política, o debate foi cerceado durante muitos anos e os jovens tiveram sua formação marcada pela falta de liberdade. E a relação entre o executivo e o legislativo é difícil ainda hoje, marcada, por exemplo, pelo excesso de medidas provisórias.”

Ele lembra que a atuação do governo militar foi modernizadora no campo da economia, com investimentos em infraestrutura e tecnologia, além do estímulo à indústria e ao agronegócio, mas que essa modernização foi autoritária e elitista. “Os resultados incluíram aumento da desigualdade, favelização e piora de indicadores sociais. Nesse sentido, foi uma modernização contraditória”, afirma Rodrigo Sá Motta.

Interpretações

O seminário será aberto, na tarde do dia 18, com mesa-redonda dedicada a balanços e interpretações da ditadura, a cargo de Daniel Aarão Reis Filho (UFF), Marcelo Ridenti (Unicamp) e do próprio Rodrigo Sá Motta. Outros três pesquisadores, entre eles Adriane Vidal Costa, da UFMG, discutirão logo depois as relações entre os regimes de Brasil, Chile e Argentina, enfatizando temas como imprensa, propaganda política e diplomacia.

A atuação de intelectuais na formação da resistência será tratada na primeira mesa do dia 19. A professora da UFMG Miriam Hermeto vai apresentar formas de engajamento e estratégias de mediação cultural nas trajetórias dos dramaturgos João das Neves e Paulo Pontes. “A ação desses artistas ajuda a mostrar que a dicotomia entre resistência e cooptação não é suficiente para explicar a dinâmica das relações naquele período, em diversas áreas”, diz Miriam, que integra a equipe de coordenação do seminário.

Mais tarde, Bruno Groppo, da Universidade Paris I, vai falar sobre as comissões da verdade na América Latina como participante da mesa História e memória, ao lado de Denise Rollemberg (UFF) e Marcos Napolitano (USP).

No último dia do evento, mais duas mesas-redondas vão abordar a luta de ativistas e movimentos sociais contra a ditadura – “essa atuação foi fundamental na época e sindicatos e grupos de direitos humanos se fortaleceram”, comenta Sá Motta – e os desafios da democratização, envolvendo anistia, campanha pelas eleições diretas e, de novo, as comissões da verdade.

Rodrigo Patto Sá Motta põe entre aspas a palavra democratização. “Na época, a transição foi precária, cheia de limites, incluindo as eleições indiretas. E ainda hoje temos uma cidadania incompleta, muitas pessoas são desinteressadas, têm relação distante com o espaço público”, justifica o pesquisador.

Batalhas de memória

A inversão das representações sobre a esquerda no Brasil é uma das questões que povoam os debates sobre o período da ditadura militar. Fala-se em vitória simbólica dos “vencidos” nas chamadas “batalhas de memória”. Os militares se queixam de que a esquerda passou a dominar os meios de comunicação, divulgando argumentos favoráveis às suas posições. “De fato, ‘terroristas’ viraram ‘guerrilheiros’, e predomina mesmo uma visão positiva da esquerda, que além de tudo chegou ao poder. Os militares se sentiram atraiçoados, abandonados. O argumento é adequado em parte, mas é preciso ir mais a fundo para encontrar o que pensam os cidadãos comuns. A ideia de que a memória da esquerda é dominante ainda precisa ser comprovada”, diz o coordenador do evento.

Seminário 1964–2014: Um olhar crítico, para não esquecer 18 a 20 de março
Mesas às 14h e às 19h, no CAD II
Apresentação de comunicações nos dias 19 e 20, a partir de 9h30, na Fafich