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Nº 1854 - Ano 40
10.03.2014

"A UFMG é resultado de um processo cumulativo"

Flávio de Almeida

Durante a cerimônia de entrega do Prêmio Capes de Teses realizada em Brasília, em dezembro, o reitor Clélio Campolina Diniz foi chamado várias vezes ao palanque para acompanhar os vencedores da UFMG – foram sete primeiros lugares em 56 áreas. A certa altura, o então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, comentou, em tom de brincadeira: “Vamos parar essa premiação. Vou mandar auditar os resultados porque o Campolina está levando tudo. Deve ter alguma coisa errada”. O reitor respondeu no mesmo diapasão. “Não, ministro, me desculpe. O senhor está atrasado. Eu recebi vários outros prêmios antes da sua chegada”.

Contada com indisfarçável orgulho, essa história reflete, na opinião do reitor, o estágio em que a UFMG se encontra na área acadêmica. Nesta entrevista ao BOLETIM, ele e a vice-reitora, Rocksane Norton, analisam as principais realizações da gestão que se encerra nos próximos dias, como a consolidação do Reuni, o crescimento da pesquisa e da pós-graduação e os avanços da internacionalização.

Que legado a sua gestão deixa para a UFMG?

Campolina – Eu prefiro não personalizar essa avaliação. O que está aí é resultado de um trabalho coletivo e cumulativo. Primeiro, nos esforçamos para observar as transformações que ocorrem no âmbito mundial e como Brasil, Minas Gerais e a própria Universidade se inserem nesse contexto. Foi um trabalho não só para acompanhar nosso ensino, pesquisa e extensão, mas também para nortear a política de internacionalização. Ampliamos significativamente o número de estudantes da UFMG no exterior e o de alunos estrangeiros que aqui estudam, aumentamos o número de acordos e convênios, criamos quatro centros de estudos internacionais. Dia desses, a Rocksane [a vice-reitora Rocksane Norton] participou de reunião em Brasília e o secretário de ensino superior disse para todos os reitores: “Em matéria de internacionalização, vocês devem olhar o que a UFMG está fazendo”. Uma segunda realização foi a consolidação do Reuni. Foi um processo que começou em 2008, mas que teve continuidade nos anos seguintes.

Rocksane – Ao avançar na implantação do Reuni, essa gestão conseguiu cumprir o que foi pactuado pela anterior. E isso ocorreu com muita qualidade ao contrário do que supunham alguns grupos contrários à expansão. Eles argumentavam que uma expansão do porte da que implantamos – crescimento de 50% no número de vagas – poderia ter repercussões na qualidade do ensino. Os estudantes que ingressaram pelos cursos do Reuni são avaliados da mesma forma que os que não entraram pelo Reuni. E os cursos novos estão sendo muito bem avaliados pelas comissões do MEC. A Universidade ficou maior e mais diversificada.

Campolina – A nossa pós-graduação também cresceu com qualidade. Somos a universidade brasileira com o maior percentual de excelência na pós-graduação, ao lado da Unicamp, com 49% dos cursos com notas 6 ou 7 [de padrão internacional]. Na área de pesquisa, não só aumentamos a publicação de artigos como também o número de patentes depositadas, de transferência de tecnologia, e estamos construindo um prédio para abrigar o centro de transferência de tecnologia da Universidade. Esse conjunto de coisas – consolidação da graduação e expansão com qualidade da pós-graduação e da pesquisa – é resultado, repito, de um processo cumulativo. Não inventamos a roda.

Assim que foi eleito, em 2010, o senhor declarou, em entrevista ao BOLETIM, que sua gestão enfrentaria três desafios: qualidade, inclusão e reconhecimento internacional...

Campolina – Nossa política de inclusão é considerada hoje muito bem-sucedida. Mas começamos antes. A política de bônus foi aprovada em 2009, ainda no Reitorado anterior, mas implantada em 2010; depois nos ajustamos à Lei de Contas. Aderimos ao Enem e ao Sisu. E isso veio acompanhado de esforço para ampliar a assistência estudantil. Passamos de 4.400 para 11.700 estudantes assistidos pela Fump.

Rocksane – Até o ano de 2008, a Fump contava com a contribuição ao fundo de bolsas. Naquele ano, o STF proibiu a cobrança de quaisquer taxas pelas universidades brasileiras e ficamos em uma situação muito difícil. Felizmente, o governo federal lançou o Programa Nacional de Assistência Estudantil, que destina recursos exclusivos para esta finalidade. Assim, ampliamos a nossa política de assistência, que é gerenciada pela Fump. Isso ocorreu basicamente com a criação de novo nível de classificação, o 4, que contempla assistência exclusiva para alimentação. A combinação de Reuni, bônus, cotas, Enem e Sisu ampliou a demanda de estudantes por assistência.

Como avaliam a mudança no sistema de acesso à UFMG?

Campolina – A Universidade tinha um sistema isolado de seleção que demonstrou não ser adequado. Depois adotou um processo unificado, passando a ter um vestibular que virou referência nacional pela qualidade. Mas estou convencido de que qualquer país precisa de uma avaliação do ensino básico, de forma mais universal, como existe em Estados Unidos, França, Inglaterra, China. O Enem terá efeito enorme sobre a educação básica.

Rocksane – Com a adoção do Enem na primeira etapa do vestibular, nós observamos que, se aderíssemos ao Sisu, daríamos um passo adiante. Tanto que o número de inscritos aumentou consideravelmente. Tivemos menos de 50 mil no último vestibular e pulamos para 145 mil inscritos.

A adoção de formas mais inclusivas de acesso, como o bônus e, mais recentemente as cotas, encontrou resistência por parte de segmentos da comunidade. Temia-se pela qualidade...

Rocksane – A avaliação dos ingressantes pelo regime contrariou os argumentos daqueles que previam a queda na qualidade. Os alunos bonistas tiveram desempenho equivalente ou superior ao dos não bonistas. Mais tarde, essa política foi substituída pela Lei de Cotas, que também trouxe ganhos para a Universidade e para a sociedade brasileira, democratizando o acesso.

Houve também um número significativo de obras de infraestrutura...

Campolina – Muita coisa ficará como legado nesse campo. Temos os CADs 1 e 2 prontos, o CAD3 está em construção e vamos inaugurar um anexo para o Departamento de Química. Ampliações das sedes da FaE, Belas-Artes, Música, além dos centros de internacionalização e de transferência de tecnologia, são obras em execução. Ainda vamos licitar o prédio da Faculdade de Direito. Em Montes Claros, desapropriamos área com um prédio onde estamos estruturando laboratórios. A construção do CTE, que ainda será inaugurado, também se insere nesse esforço de melhoria de nossa infraestrutura acadêmica. No ano passado, lançamos edital com recursos próprios de R$ 11 milhões para a compra de equipamentos de uso multidisciplinar.

Uma gestão não é feita apenas de realizações. O que não foi possível fazer ou ficou aquém do planejado?

Campolina – Do ponto de vista acadêmico, fizemos o que era possível em quatro anos. As dificuldades que não conseguimos superar foram de natureza administrativa. Por exemplo: muitas obras poderiam estar concluídas; o ritmo de construção está mais lento que o desejado.

A que atribuem esse gargalo?

Campolina – A questão da elaboração dos projetos e das licitações ainda é complicada. Antes, fazíamos as obras pela Fundep e agora elas são licitadas. Trata-se de exigência da legislação e dos órgãos de fiscalização. Leva-se um tempo maior para se elaborar um projeto, orçar e licitá-lo.

Rocksane – Não é um problema exclusivo da UFMG. Saímos de um regime de construção baseado nas fundações de apoio para o de licitações. É um avanço, mas não é simples; estamos em uma curva de aprendizado.

Por que a questão da formulação de carreiras tanto para os professores quanto para o segmento técnico-administrativo não evoluiu a contento?

Campolina – A carreira administrativa tem cinco letras – A, B, C,D, E – e não se muda de uma para outra sem concurso público. O sistema de progressão é baseado na titulação. Nada contra as pessoas estudarem. Mas a carreira deveria ter um mecanismo de ascensão que não fosse necessariamente atrelado à titulação acadêmica. Isso é uma distorção. Temos excelentes servidores, mas que não optaram por fazer uma pós-graduação – o que nem sempre é necessário para o desempenho deles. O mesmo ocorre com a carreira docente, cujo regime de dedicação exclusiva não atende mais as necessidades da universidade. É preciso flexibilizar a carreira para os professores que pretendem desenvolver uma atividade externa, porque muitas áreas exigem prática profissional.

Embora não tenham faltado investimentos, a segurança no campus continua sendo uma das principais preocupações da comunidade acadêmica...

Campolina – O fato é que estamos inseridos na cidade e numa sociedade cada vez mais violenta. Investimos em um sistema de câmeras, vamos tentar controlar o acesso ao campus, mas é um desafio. Não estamos isolados. Mais do que a violência, a própria questão da ocupação e da convivência no campus é um problema.

O campus está se aproximando da saturação?

Campolina – Está saturado. A nossa esperança é que o BRT e o sistema de controle de entrada que está sendo implantado ajudem a diminuir o número de automóveis aqui dentro. O campus Pampulha vem sendo usado como área de passagem e para estacionamento de carros de pessoas que não são da comunidade.

Para onde a Universidade vai crescer?

Campolina – A Universidade vai atingir um tamanho que a obrigará a se estabilizar. A Fazenda de Pedro Leopoldo, onde já desenvolvemos muitas atividades e está a 30 quilômetros daqui, pode ser uma área de expansão. A Faculdade de Direito virá para o campus, mas não vamos vender o prédio do centro. Ele vai complementar as atividades da área de saúde. No campus Pampulha, há limites ambientais e não podemos mais construir. Já está difícil obter licença ambiental para novas edificações. As coisas podem aliviar se conseguirmos tirar essa quantidade de carros e construir mais áreas de convivência. Estamos, inclusive, finalizando projeto para reabrir o córrego [Engenho Nogueira] e fazer na Avenida Mendes Pimentel uma área de lazer.

Que cenário vislumbram para os hospitais universitários com a criação da Ebserh?

Campolina – Eu estou feliz e me considero quase realizado. Há uma reação política contra a adesão à Ebserh, aprovada pelo Conselho Universitário. O contrato foi assinado e firmamos termo de ajuste de conduta com o Ministério Público para viabilizar a transição. Com isso espero estabilizar o quadro de servidores do Hospital e resolver o problema de financiamento. Também estamos negociando com o governo de Minas a transferência para a UFMG do Hospital Risoleta Neves, que também passaria a integrar a Ebserh. Na Europa, não existem mais universidades com hospitais. Eles pertencem à rede pública de saúde e cumprem o papel de hospitais de ensino, pesquisa e extensão.

Que outras dificuldades enfrentaram ao longo do mandato?

Campolina – O mais difícil, sem dúvida, foi a reação à implantação do ponto eletrônico. Pessoalmente, considero que o ideal é não ter ponto. As pessoas têm que simplesmente cumprir suas obrigações. Mas há aqueles que cumprem e outros que não cumprem. A decisão de adotar o ponto para controle de presença foi um foco de tensão que durou dois anos.

Como veem a UFMG e que futuro projetam para a Instituição?

Campolina – Somos hoje uma das melhores universidades do Brasil não só pelo desempenho acadêmico, mas também em função de sua imagem política. O trabalho da Universidade é reconhecido em vários fóruns de que participo. Isso é muito gratificante.

Rocksane – Apesar das dificuldades, foi um privilégio e uma honra ocupar o cargo de vice-reitor nos últimos quatro anos. Poucas pessoas têm a oportunidade de um aprendizado como esse. Aqui conhecemos diversas áreas da Universidade. Como sou da área de medicina, tive que me inteirar de processos de contratação, construção, acompanhamento de obras e de pesquisas de outras áreas para entender se era relevante ou não para o projeto acadêmico da instituição. Descobri também a importância da internacionalização para o crescimento e dos próprios rankings, ainda que vistos com reservas, como parâmetros de comparação. A UFMG tem tudo para ser a melhor universidade do Brasil e estar entre as melhores do mundo. Com o corpo docente que temos hoje e com a seriedade das pessoas que aqui trabalham, não tenho dúvida de que a Universidade continuará evoluindo.