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Nº 1859 - Ano 40
14.04.2014
Encarte
Luana Macieira
Divulgação/Smithsonian Institute |
Pesquisadores encontraram esqueletos inteiros, em média com 16 metros |
Um mistério envolvendo a descoberta de 42 fósseis de mamíferos marinhos no interior do Chile foi desvendado por pesquisa internacional da qual participou o professor Mario Cozzuol, do Departamento de Zoologia do ICB. Os resultados da investigação, publicados no periódico Proceedings of The Royal Society B, indicam que os fósseis são de baleias que morreram por toxinas derivadas de algas, possivelmente há cerca de 10 milhões de anos.
As primeiras análises do ambiente onde as ossadas foram encontradas – o sítio paleontológico de Cerro Ballena, no deserto de Atacama, distante quase 900 quilômetros da capital, Santiago – revelam que o local é uma antiga região lacustre, próxima à costa, que se conectava ao mar. O fato de estar acima do nível do mar intrigou os pesquisadores, que se perguntaram como as baleias chegaram até lá.
Segundo Cozzuol, um animal de grande porte não seria capaz de se virar dentro de um lago com pequena profundidade, o que corroborou a hipótese inicial de que os corpos das baleias encalharam depois de morrerem. “Essa mortandade ocorreu em massa e praticamente ao mesmo tempo. O único fator que explicaria essas mortes seria uma intoxicação com toxinas derivadas de algas, como uma maré vermelha, que pode ter contaminado os peixes que serviam de alimento para as baleias”, aponta.
Outras evidências confirmam a hipótese. “Na lagoa, achamos vestígios de algas que podem ter causado essa intoxicação. Provavelmente as baleias morreram em alto-mar e foram levadas para o lago pelas correntes e pela maré alta. Quando a maré baixou, elas encalharam e seus ossos se sedimentaram ali”, completa o professor. Os materiais foram encontrados em 2010 por empregados de uma empreiteira que trabalhava nas obras de trecho da rodovia Pan-americana, rede de estradas de 48 mil quilômetros de extensão que corta o continente americano de norte a sul. Após a descoberta, pesquisadores dos museus de Caldera, município onde fica o sítio de Cerro Ballena, e de Santiago foram contatados para as primeiras análises.
Além dos esqueletos das baleias, que têm em média 16 metros de comprimento, havia fósseis de focas, pinguins e peixes. “A surpresa se deu pela grande quantidade de material fóssil e pela posição em que as ossadas foram encontradas. São 42 esqueletos inteiros, articulados e de barriga para cima. Isso indica que as baleias já chegaram mortas, ou seja, encalharam naquele local”, explica Cozzuol.
Para Cozzuol, a descoberta pode dar início à identificação de um mamífero aquático ainda não descrito pela ciência e que viveu naquela região no final do período mioceno superior, há cerca de 10 milhões de anos. “De acordo com as análises preliminares, os fósseis não se encaixam no perfil de nenhuma espécie de baleia conhecida, o que nos leva a crer que eles podem corresponder a uma espécie nova. Porém, apenas com uma análise mais profunda em laboratório poderemos ter certeza de que se trata de espécie até então desconhecida, e não de uma variação de outra já conhecida”, explica o professor.
Além de esclarecer se os fósseis pertencem a uma nova espécie, estudos posteriores podem contar a história da evolução do mamífero. O próximo passo do grupo, que conta com pesquisadores de instituições de Chile, Estados Unidos e Brasil, é terminar a preparação dos fósseis, tarefa que envolve a limpeza dos sedimentos dos ossos e estudos químicos que serão capazes de identificar como os animais viviam e de que se alimentavam.
“O trabalho vai permitir a comparação dos esqueletos encontrados com o de outras baleias, o que dará a resposta final à pergunta se essa espécie já foi descrita ou não. Além disso, poderemos entender se todas as baleias faziam parte de uma população de animais. Estudos do gênero mostram como era nossa ecologia no passado e explicam a atual diversidade animal”, diz Cozzuol.
O pesquisador destaca, ainda, a importância de novos métodos de estudos paleontológicos. Graças à tecnologia de escaneamento em 3D foi possível imprimir, em tamanho real, cópias das partes dos esqueletos encontrados. “Isso permitiu identificar detalhes que talvez não pudessem ser visualizados no campo, reunindo informações ecológicas às quais não teríamos acesso de outras formas, já que os fósseis precisavam ser retirados do local onde foram encontrados”, conclui o professor do ICB.
(Matéria publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 09/04/2014)