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Nº 1880 - Ano 41
13.10.2014
Encarte
Itamar Rigueira Jr.
Em seu passeio pela vida e pela cultura da Inglaterra da segunda metade do século 19, a personagem Alice encontra figuras e situações estranhíssimas, mas criadas com base em referências do cotidiano. Lewis Carroll, autor de Alice no país das maravilhas, é considerado representante icônico do que alguns estudiosos denominam “poéticas do estranhamento”. Segundo eles, os artistas cumprem sempre, de forma mais ou menos explícita, a função de fazer ver coisas comuns de maneira incomum. Poéticas do estranhamento é o tema de jornada que vai reunir, nesta semana, no auditório 2001 da Faculdade de Letras (Fale), artistas, para falar da própria experiência, e pesquisadores, para apresentar teorias acerca de diferentes aspectos do tema. “Queremos mostrar que o conceito de estranhamento, que nasceu na Rússia, em 1917, em plena revolução comunista, está bem vivo”, afirma a professora Myriam Ávila, da Fale, coordenadora do Grupo Interinstitucional Poéticas do Estranhamento (Gipe). Ela conta que a ideia de ostranêmie (estranhamento) foi lançada no texto Arte como procedimento, de Vitor Chklovski, amigo do poeta Vladimir Maiakovski, na época com 24 anos de idade. Myriam estuda a visão do filósofo tcheco, naturalizado brasileiro, Vilém Flusser, que vê o estranhamento como condição de conhecimento. “Para ele, as pessoas só se apropriam do mundo ao criar um distanciamento. Não por acaso, ele utilizava a correspondência para pensar o estranhamento, que possibilita o diálogo. Ele tinha ideias ao trocar cartas com amigos”, explica a professora, que coordena a pós-graduação em Estudos Literários. Experiência dos poetas O evento será aberto pelos poetas Ricardo Aleixo, Thaís Guimarães, de Belo Horizonte, e por Douglas Diegues, da região de fronteira do Sul do Brasil, que trabalha com produção artesanal de livros e criou o “portunhol selvagem”. A intenção é que os escritores digam como percebem, em sua produção, o estranhamento em relação ao cotidiano e se de alguma forma buscam o procedimento. Eles vão ler poemas e conversar com o público. Para Ricardo Aleixo, escrever poesia é estranhar a língua. “A escrita é consciente como ato técnico, mas o desígnio do poeta tem limite. Ele traça uma meta, mas certamente entram elementos que ele não domina. Há consenso, entre as pessoas que lidam com a palavra criativa, que a poesia é a mais ‘estranha’ das artes da palavra”, afirma o autor de Modelos vivos, livro finalista do Prêmio Jabuti de 2011. Ana Helena Souza, tradutora de Beckett, Sandra Stroparo, especialista em Mallarmé, e Myriam Ávila, que também é teórica do nonsense, vão compor a segunda mesa, para debater Estranhamento e pensamento crítico. Por fim, um terceiro grupo vai analisar o estranhamento na obra de Dostoiévski (Marco Antonio Lellis, das Faculdades Promove) e no trabalho da bailarina e coreógrafa Trisha Brown (Joelma Xavier, do Cefet-MG). Lellis e Joelma vão conversar com a professora Adriana Bicalho, da Escola de Belas Artes da UFMG, que pretende mostrar como o que era considerado maravilhoso (fenômenos raros, mas explicáveis) até o Iluminismo passou a ser considerado como estranho ou inquietante e a compor o universo da arte. A perspectiva de estranhamento, de acordo com Joelma Xavier, é identificada nos trabalhos de Trisha Brown, que explora mecanismos de automatização dos gestos, monta espetáculos em lugares alternativos e faz o bailarino interagir com o público. “O ritmo dos bailarinos é construído pelo movimento de seus corpos e pelos ruídos que compõem o entorno. O público, além de muito próximo dos bailarinos, compõe a sonoridade dos movimentos com o barulho de seus passos, risadas, tosses, interjeições”, explica a pesquisadora, mestre pela Fale e professora da área de Linguagens e Tecnologias no Cefet.