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Nº 1883 - Ano 41
03.11.2014

opiniao

Esperança via educação*

Delano Franco**

Muito se tem discutido a queda do potencial de crescimento da economia brasileira nos últimos anos. Piora na qualidade regulatória, incerteza jurídica, subsídios sem critérios claros, proteção comercial, controle de preços – todos são fatores que contribuem para a má alocação de insumos de produção. Com isso, o país, que poupa e investe pouco, tem fraca evolução da produtividade e é impedido de sustentar taxas de crescimento, ainda que modestas.

Existe, entretanto, um fator de longo prazo que militará no sentido inverso nas próximas décadas e traz algum otimismo em meio à atual maré de desalento. Trata-se dos avanços na educação. Obviamente há um sem-número de problemas e desafios na área – estagnação recente das matrículas no ensino médio e das notas no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), baixa proficiência dos alunos, falta de incentivos e formação aos professores na rede pública, baixo número de horas-aula se comparado à média internacional. No entanto, ao se observar o caminho percorrido ao longo das últimas décadas, a evolução é expressiva, e seus efeitos tendem a se manifestar com o tempo.

Em 1994, em torno de 35% dos indivíduos com 22 anos de idade acumulavam quatro ou menos anos de estudo, ou seja, tinham qualificação apenas para trabalhos básicos. Hoje são menos de 10%. A proporção de jovens com tempo de estudo entre quatro e oito anos, um pouco acima em termos de aptidão, girava também em torno de 35%, tendo caído para menos de 20% no período. Pouco mais de 20% tinham entre 9 e 11 anos de estudo, qualificação já bastante razoável, índice que evoluiu para acima de 50%. Por fim, os jovens com mais de 12 anos de estudo perfaziam menos de 10%; hoje são mais de 20%.

Dessa forma, mais de 70% completaram nove ou mais anos de estudo, proporção que era de 30%. Se simplificadamente classificarmos os jovens com 22 anos em pouco (até oito anos de estudo) e muito instruídos (com nove ou mais anos de estudo), tínhamos, em 1994, 70% da força de trabalho com baixa qualificação. Hoje, são 70% com alta qualificação. Isso faz uma enorme diferença em termos de produtividade.

Trata-se de um movimento visível no dia a dia, em muitos lugares. A empregada doméstica da minha avó era analfabeta, desenhava o seu nome quando necessário. A diarista da minha casa, que estudou por quatro ou cinco anos, é capaz de se comunicar razoavelmente de forma escrita e navega na internet. Sua filha cursa faculdade. Claro que se pode criticar a qualidade do que lhe é ensinado ou ainda questionar se um curso técnico não lhe seria eventualmente mais proveitoso, mas não há como negar o avanço expressivo.

A própria qualidade tende a evoluir ao longo do tempo. A neta da diarista terá uma mãe com mais condições de auxiliá-la nos estudos, de interagir com a escola ou com a faculdade e cobrar maior excelência no ensino. A literatura especializada mostra que o papel dos pais frente à escola é significativo.

Na área de educação é possível construir uma narrativa relativamente contínua, embora às vezes sinuosa, de conquistas nas últimas décadas no Brasil: da universalização do ensino básico ao Pronatec (fomento do ensino técnico) e ao Fies (financiamento subsidiado aos alunos universitários); das experiências de incentivos aos bons professores em alguns estados ao Ciência sem Fronteiras (bolsas de intercâmbio universitário no exterior). É verdade que se pode argumentar que outros países avançaram mais, como o fazem Vinícius Carrasco, João Manuel Mello e Isabela Duarte em A década perdida: 2002-2013, mas isso não nega a existência de uma evolução no Brasil.

Apesar de a elevação do nível educacional beneficiar todos os ramos de atividade, entendo que é nos serviços que ela se fará sentir com mais força e terá maiores efeitos macroeconômicos. Algo em linha com o que ocorreu com a agricultura nas últimas décadas, quando fatores como melhores insumos, escala, técnicas gerenciais e a atuação da Embrapa geraram avanços muito acima do crescimento do PIB.

Hoje, 70% da produção brasileira advêm do setor de serviços. Neles, a produtividade reside majoritariamente na capacidade dos funcionários, sendo menor o impacto de outros fatores, como infraestrutura de transportes. A produtividade nos serviços no Brasil é especialmente baixa, o que também é observável no dia a dia. Nos quiosques de jornais, revistas e lojas de conveniência dos aeroportos americanos é comum ver apenas um funcionário se dividindo entre as diversas atividades envolvidas: resposta a demandas dos clientes, caixa, arrumação etc. No Brasil, tipicamente se observam cinco, seis funcionários com tarefas sobrepostas, quase sempre algum ocioso, e filas no atendimento mesmo em momentos de fluxo normal.

Esse fosso de produtividade é cada vez mais possibilitado pela tecnologia da informação, que viabiliza a operação de serviços complexos ou concomitantes por um número reduzido de trabalhadores, desde que devidamente capacitados. Isso abrange os mais diversos ramos de atuação – da hotelaria à alimentação, da limpeza aos transportes.

Parece haver relativo consenso quanto aos próximos passos na área. O mais importante deles: caminhar em direção ao horário integral de ensino. A sociedade também parece firme em direcionar boa parte dos recursos advindos do pré-sal ao setor, embora siga pendente o consenso em relação ao que se deve abrir mão em termos de outras prioridades para o gasto público.

Os efeitos vão se acumulando, mas o impacto macroeconômico leva décadas para se materializar com mais força, com os ingressantes no mercado de trabalho mais qualificados do que os que saem, ano após ano. É um fator que aponta para a direção contrária ao desmanche recente do ambiente de negócios e, mais do que isso, algo mais estrutural, diferentemente da política econômica equivocada, que pode ser reorganizada em relativamente pouco tempo.

*Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 27/10/2014

**Consultor. Mestre em economia pela PUC-Rio