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Nº 1883 - Ano 41
03.11.2014

Lavoisier do Brasil

Simpósio pretende valorizar memória do cientista mineiro Vicente Seabra, o primeiro químico moderno do mundo lusófono

Hugo Rafael

Autor do primeiro livro de química em língua portuguesa, o mineiro Vicente Coelho de Seabra Silva Telles segue desconhecido no próprio país. Com o objetivo de recuperar a memória histórica do cientista que atuou no século 18, o Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas organiza, de 11 a 14 de novembro, o 3º Simpósio Temático da Pós-graduação em Química (Simteq) na UFMG.

“Infelizmente, o nome e a obra de Vicente Seabra foram esquecidos, sendo seu conhecimento restrito a poucas pessoas da área científica. Neste evento, em que se comemoram 250 anos de seu nascimento, queremos homenagear aquele que foi um dos primeiros cientistas brasileiros, certamente o primeiro químico”, afirma o professor Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, do Departamento de Química e coordenador do Simteq.

Nascido em 1764, em Congonhas, Vicente Seabra estudou durante a adolescência no Seminário de Mariana. Em 1783, aos 19 anos, foi para Portugal, onde se graduou em Filosofia Natural e Medicina, na Universidade de Coimbra, e passou a exercer a função de professor. “Seabra é o primeiro cientista moderno brasileiro do qual se tem notícia. Ele foi autor de inúmeros livros e publicações, muitas delas desconhecidas”, explica Filgueiras.

O primeiro livro escrito por Seabra foi a Dissertação sobre a fermentação, obra definida pelo professor como de principiante, porém importante por já trabalhar com alguns conceitos de Antoine Lavoisier, francês que é considerado o pai da química moderna. “Apesar de pouco importante, esse livro introduziu na língua portuguesa alguns conceitos de química, entre eles a nova nomenclatura química de Lavoisier”, ressalta o professor.

A primeira parte da obra mais importante de Seabra, Elementos de química, foi publicada em 1788. A segunda parte, que possui cerca de 500 páginas, saiu dois anos depois. “Ouso dizer que era o livro mais abrangente de química existente à época no mundo”, defende Filgueiras. “Nessa publicação, Seabra mostra conhecer todos os principais autores da época e também propõe e realiza experimentos originais, demonstrando vasto conhecimento químico-científico”, acrescenta o professor. Segundo ele, a obra foi superada um ano depois pelo grande Tratado de Lavoisier, o que não elimina sua importância.

O livro foi dedicado à Sociedade Literária do Rio de Janeiro – uma academia científica – para ser usado em um curso de química que nunca chegou a ser criado devido a dois acontecimentos políticos que envolveram a Sociedade Literária: a Inconfidência Mineira e a Revolução Francesa. Filgueiras conta que o grupo, que se reunia para tratar de assuntos acadêmicos, passou a discutir temas da conjuntura política, o que ocasionou a prisão de todos os integrantes por cerca de dois anos e a desarticulação da proposta inicial. “Infelizmente, o livro de Seabra não chegou a ser usado no Brasil, e tampouco em Portugal”, lamenta o professor. De acordo com ele, a rainha portuguesa, Dona Maria I, enviava carta, anualmente, à Universidade de Coimbra, cobrando a produção de um livro de química, uma vez que os estudantes recorriam a obras estrangeiras. “Havia o livro de Seabra, mas a congregação da Faculdade de Filosofia jamais o considerou. O livro, então, se perdeu, o que é uma pena”, lamenta Filgueiras. Segundo o professor, Seabra tinha uma personalidade difícil, o que pode ter contribuído para ele ter sido deixado de lado.

José Bonifácio

Também em 1788, Seabra publicou uma obra que Filgueiras define como “o texto fundador da termodinâmica em língua portuguesa”. Em Dissertação sobre o calor, diz o professor, Seabra usa, de forma implícita, diversos conceitos que só seriam explicitados em meados do século 19, como o princípio de conservação de energia e a Lei de Hess. Esse livro foi dedicado ao amigo e colega de turma, José Bonifácio de Andrada e Silva, citado em obras científicas do mundo inteiro, porém conhecido no Brasil apenas como político e poeta. “José Bonifácio foi o primeiro cientista brasileiro a obter renome internacional, com reconhecimento em inúmeros países do mundo, exceto no Brasil”, afirma Filgueiras. Ele só iniciou sua trajetória política aos 56 anos, quando pôs fim à carreira científica que desenvolveu em Portugal.

Vicente Seabra morreu em 1804, em Portugal, pouco antes de completar 40 anos. “O motivo de sua morte é desconhecido. As informações sobre a vida pessoal dele são muito escassas, mas consta que era uma pessoa franzina e enfermiça”, explica Filgueiras.

A abertura do 3º Simteq será no dia 11 de novembro, terça-feira, às 19h, no auditório Aluísio Pimenta (Departamento de Química, anexo 1). A conferência Vicente Seabra, o primeiro químico moderno no mundo lusófono será proferida pelo professor Carlos Filgueiras. A programação, com temas diversificados sobre as ciências e a química, reúne professores brasileiros e portugueses. Mais informações sobre o Simpósio podem ser obtidas no site www.simteq.qui.ufmg.br.