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Nº 1883 - Ano 41
03.11.2014

‘O debate é mais pobre na internet’

Em conferência na UFMG, o sociólogo francês Louis Quéré analisa a comunicação pela web

Hugo Rafael

O avanço da tecnologia na contemporaneidade tem modificado as formas de relação social e também a comunicação entre os indivíduos. Na opinião do professor e sociólogo francês Louis Quéré, essa comunicação, estabelecida principalmente por meio da internet, tem uma característica marcante: “Ela é pobre”.

“Em fóruns da internet é possível observar a pobreza do debate em comparação com a comunicação face a face”, afirmou o professor, na conferência de abertura do 3º Colóquio em Imagem e Sociabilidade: 20 anos de pesquisa em comunicação, realizado em outubro. O evento comemorou duas décadas de criação do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (Gris), filiado ao Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFMG.

Na opinião do intelectual, as novas tecnologias possibilitam a criação de formas alternativas de comunicação. “Essas formas quebram esquemas clássicos das comunicações”, disse. Ainda a respeito do empobrecimento, Quéré acredita que “falta aos interlocutores uma série de índices contextuais que guiam as mensagens construídas”.

A falta de determinados gestos e posturas das pessoas que se comunicam e a ausência de recursos do ambiente e do próprio conhecimento são alguns dos fatores que, segundo o pesquisador, fazem a comunicação na internet perder conteúdo em relação àquela que se dá presencialmente. Na visão de Quéré, para tecer uma comunicação aceitável pela internet, é preciso compensar a ausência desses índices, somados à possibilidade do anonimato, por meio dos índices contextuais mínimos que precisam ser descobertos.

Contraposição de ideias

A pobreza da comunicação online, segundo o sociólogo, também tem efeitos positivos. Um deles é a possibilidade de debate com maior contraposição de ideias, uma vez que, na web, a necessidade de ser aceito pelo interlocutor é muito menor. “A fraqueza dos índices textuais favorece uma expressão mais livre”, defendeu.

Por outro lado, na avaliação de Quéré, esse tipo de comunicação pode privilegiar a pressão de alguns tipos sociais sobre os demais indivíduos. Nesse contexto, ele também acredita que, na internet, predominam laços mais fracos entre as pessoas, o que é potencializado por um domínio instrumental, que permite o anonimato e abre espaço para comoções sociais. Para o pesquisador, ao alterar a natureza das relações sociais, com vínculos menos intensos, a internet propicia a aparição de novos modelos de formação coletiva.

Outro aspecto abordado pelo sociólogo é a tendência do ser humano de se aproximar de pessoas similares, o que facilita a criação de grupos unidos por gostos e interesses comuns. “As novas tecnologias favorecem o ajuntamento das pessoas com base em afinidades. Esse processo não chega a caracterizar segregação social, mas limita as possibilidades de interação, na medida em que se formam clubes homogêneos de pessoas”, afirmou. Isso gera o que Quéré chama de “câmara de eco de suas próprias opiniões”. Ao mesmo tempo, ele lembrou, na internet é fácil para uma pessoa mudar de grupo sem ser notada ou recriminada por isso.

Rumores

A ausência de controle (dos gatekeepers, no caso do jornalismo), acredita Louis Quéré, também favorece o aparecimento e o espalhamento de rumores e informações “loucas” na internet. Para o professor, isso ocorre com mais frequência nas redes sociais. “Essas criações são resultado da tendência natural do espírito humano de imaginar ou superestimar riscos [como ocorre, por exemplo, no desenvolvimento de falsas crenças e medos]”, afirmou.

De acordo com o pesquisador, há grupos na França que exploram a credulidade dos internautas. Quéré contou, a propósito, um caso recente: internautas distorceram algumas disposições do governo e divulgaram informações absurdas, incitando pais conservadores a tirarem os filhos das escolas. “Muitos caem nessas armadilhas. Dizer que a internet propicia isso é algo bem real”, exemplificou.

Esse tipo de comunicação e seus desdobramentos não são essencialmente novos, mas, antes, prolongamentos de fenômenos que sempre aconteceram, acredita Quéré. “Em vez de pensar que estamos inovando extraordinariamente, poderíamos dizer que, na verdade, são apenas desenvolvimentos ou evoluções em longo prazo. As tecnologias alteram, sim, os modos de formação de grupos sociais e coletivos”, defendeu.

(Matéria publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 23/10/2014)