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Nº 1883 - Ano 41
03.11.2014

“Não há nada mais perigoso que o esvaziamento do discurso”

O tema do Congresso, O futuro do constitucionalismo: perspectivas para democratização do Direito Constitucional, suscita uma questão: existe um déficit de democracia no país?

Na verdade, são vários debates sobre essa questão. O primeiro é o que aponta para uma suposta incompatibilidade entre a ideia de constitucionalismo e a democracia. No âmbito da filosofia política, existe uma maioria que acredita que constitucionalismo e democracia não convivem muito bem. Haveria um conflito entre a noção de limitação do poder – um dos pilares do constitucionalismo – e a ideia de participação democrática. Por outro lado, há quem acredite que esse conflito não existe, e sim uma tensão fecunda entre as duas ideias. Se as leis são criadas pelo povo, e o próprio povo obedece a elas, as ideias podem ser reconciliadas. É o que podemos chamar de concepção constitucional de democracia, segundo a qual um sistema só é genuinamente democrático se garantir condições de igual respeito e consideração para todos os seus membros. Isso pressuporia determinados direitos fundamentais. Para mim, essa ideia de reconciliar os dois parece ser a mais correta.

Como fica a participação das instituições nesse contexto?

Há certas instituições que desempenham papel fundamental para viabilizar a concepção constitucional de democracia, assegurando a observância dos direitos fundamentais. Não obstante, não existe nenhum desenho institucional específico que derive diretamente da concepção constitucional de democracia. A democracia é compatível tanto com um sistema que estabeleça a supremacia judicial quanto com um sistema adepto da soberania do parlamento. Aqui surge outra grande questão, a do ativismo judiciário, considerado um grande problema do ponto de vista da legitimidade democrática. A ideia é pensá-lo não apenas numa perspectiva jurídico-dogmática, mas numa perspectiva político-filosófica que reflita sobre a legitimidade do poder, ainda que sensível a cada contexto, em especial, ao contexto da realidade brasileira.

A separação dos poderes também será ­discutida?

Essa é a questão central. Precisamos refletir sobre o que significa essa separação, qual o valor moral que ela tem hoje e em que sentido contribui para a legitimidade das instituições.

Como o senhor avalia as expectativas da sociedade em relação a questões como o controle da corrupção nos processos eleitorais, ou casos como o Mensalão?

No caso do Mensalão, alguns interpretaram o resultado do julgamento como uma condenação não apenas daquelas pessoas envolvidas, mas da política em geral, acarretando uma espécie de blindagem institucional do judiciário. Quando vejo o rumo da disputa política baseada em ataques pessoais – e isso ocorre só no Brasil – , quando começa a surgir um certo discurso de que não existem diferenças entre programas políticos, de que todos os partidos são iguais, de que as questões a serem decididas são meramente de eficiência administrativa, aí volta o maniqueísmo, com a presença dos bons e maus no âmbito na política. Não há nada mais perigoso do que esse esvaziamento do discurso.