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Nº 1885 - Ano 41
17.11.2014

opiniao

Era pós-contemporânea ou tecnológica?

Vagner Luciano de Andrade*

Para Chaplin, “o caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém o homem desviou-se dele, totalmente”. O mundo não é mais o mesmo: dúvida, constatação ou paradoxo? Embora a História não se preocupe mais com os grandes heróis e feitos humanos, estereotipando datas e personalidades como “decorebas” sem assimilação e/ou aplicação à realidade, é inegável a classificação histórica em eras, períodos ou idades.

Dessa concepção derivam as tradicionais: Pré-história, antes da invenção da escrita (4.000 a.C); Antiguidade, da invenção da escrita à queda do Império Romano (476 d.C); Medievo, da queda de Roma até a tomada de Constantinopla (1453 d.C); Modernidade, da tomada de Constantinopla até a Revolução Francesa (1789 d.C), e Contemporaneidade, da Revolução Francesa aos dias atuais. Essa organização parte da necessidade de se localizar e de se inserir culturalmente no meio, preenchendo-o de conteúdo existencial, portanto, com sentido e significado.

Mas será que transcorridos mais de dois séculos desde a revolução em prol dos ­ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o mundo contemporâneo é o mesmo? A derrubada do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989 não apenas pôs fim à Guerra Fria como também significou um marco na história mundial. Para o professor Nilzo Ivo Ladwig, do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Administração, Relações Internacionais e Turismo da Unisul (SC) e organizador do livro 20 anos da queda do Muro de Berlim: um debate interdisciplinar, a demolição significou uma mudança de paradigmas.

Segundo ele, após a queda do muro, surgiram novas abordagens ecológicas, econômicas, educacionais, políticas e sociais. Esse novo período da história da humanidade aponta para significativas mudanças e melhorias, demarca desafios e consolida absurdos como a degradação do meio natural, a exclusão social e o consumo exarcebado. A nova era, que talvez possa ser chamada de “tecnológica”, tem como principal característica o aumento do conflito e do distanciamento entre homem e natureza, iniciado na Inglaterra dos tempos modernos pelas marcantes intervenções socioambientais da primeira Revolução Industrial, entre 1760 e 1850.

Se a primeira revolução foi um marco ­significativo que reconfigurou a história mundial, com a segunda Revolução Industrial, entre 1850 e 1900, surgiram novas formas que ampliaram o poder tecnicista/intervencionista humano, com destaque para a geração de energia elétrica, os novos derivados do petróleo, o grande desenvolvimento dos transportes marítimo e terrestre, sobretudo as locomotivas a vapor. Era o capitalismo urbano-industrial ampliando suas frentes de ação, na busca pelos mais diversos territórios, que, por sua vez, significariam fonte de matérias-primas, que viriam a ser exploradas sem limites, ou potenciais consumidores a serem monopolizados.

Ao apropriar-se da natureza, da paisagem e de todos os benefícios, o homem não tem cuidado bem do planeta nem dos seres que vivem nele. Com isso, toda a diversidade ambiental, indispensável à manutenção dos ciclos vitais das mais diversas espécies, está condenada ao descaso, à destruição e à extinção. No aspecto existencial, ampliaram-se o distanciamento entre ricos e pobres, o ­egoísmo, o individualismo, a alienação, a intolerância, o preconceito e o materialismo, entre outras mazelas. Essa ação predatória, irresponsável e irracional, foi se intensificando com a terceira Revolução Industrial, também denominada Revolução Tecnológica, iniciada por volta de 1900 e hoje instrumentalizada e legitimada pelo modelo socioeconômico vigente, com a sua expansão pelo mundo inteiro, compreendendo a inovação dos inventos, a ampliação do potencial bélico, o aprimoramento de técnicas industriais, o aperfeiçoamento das matrizes energéticas e a expansão dos meios de comunicação.

Numa fase mais recente, posterior à ­Segunda Guerra Mundial (1939–1945), a escalada humana consolidou grandes realizações como a “conquista” do espaço, a fibra ótica, a robótica, o laser, os microprocessadores e a informática, os transistores e semicondutores. Assim, com base em diagnósticos que aqui não caberia descrever, tamanha quantidade e absurdo, destacam-se as palavras de Chaplin, para quem “a cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e faz a humanidade marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios”. Para ele, criou-se “a época da produção veloz, mas o ser humano se enclausurou dentro dela. A mesma máquina, que produz em grande escala, provoca a escassez. O conhecimento tornou o homem cético; e a inteligência o fez empedernido e cruel, levando-o a pensar em demasia e sentir bem pouco”.

Parafraseando Chaplin, resta hoje a esperança de mobilizações: “mais do que máquinas, precisa-se de humanidade; mais do que de inteligência, precisa-se de afeição e doçura, pois, sem essas virtudes, a vida será de violência, e tudo estará perdido”. A realidade está aí, “nua e crua”, restando aos mesmos homens consolidar contribuições e/ou transformações que efetivem uma nova ordem social, mais justa, harmônica e sustentável. A invenção da escrita, a queda do Império Romano e as tomadas de Constantinopla e da Bastilha marcaram a transição para novas temporalidades. Tomara que a queda do Muro de Berlim marque a transição para nova cronologia e novos paradigmas, estilos, modelos societários e novas concepções.

*Educador e mobilizador da Rede Ação Ambiental, com formação em Ecologia, Geografia, Magistério, Patrimônio e Turismo