Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 10- outubro de 2006

Editorial

Entrevista
Evando Mirra de Paula e Silva

Patentes
Do laboratório à linha de produção


Propriedade intelectual e inovação na UFMG
Rubén Dario Sinisterra Milan

Incubadoras
Chocando futuras empresas

Empreendedorismo
Pequenas que trabalham como gente grande

Saúde Pública
Na captura do Aedes aegypti

A lei de inovação e sua repercussão nas
instituições científicas e tecnológicas

Edson Paiva Rezende, José Lúcio de Paiva Júnior, Maria Romanina Velloso Martins Botelho, Nícia Pontes Gouveia e Vinícius Furst Silva

Aeronáutica
Inventores de vôos

Paramec
Tecnologia a serviço da inclusão

Inovação na biotecnologia
Erna Geessien Kroon


Acessibilidade
Bengala eletrônica

Sistemas nacionais de inovação e desenvolvimento
Eduardo da Motta e Albuquerque

Nanotecnologia
Viagem ao país dos “nanos”

Conhecimento e riqueza
Ana Maria Serrão, Lívia Furtado, Mari Takeda Barbosa, Rochel Monteiro Lago, Lin Chih Cheng e Solange Leonel

Solidariedade
Da pura técnica à tecnologia social


Tecnologia social: um conceito em construção
Carlos Roberto Horta

Expediente

Outras edições

 

brasão

 

Artigo

Inovação na biotecnologia

Erna Geessien Kroon
Professora Adjunta do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG

A biotecnologia envolve um processo tecnológico que permite a utilização de material biológico na indústria, cuja história teve início há cerca de 4.000 anos a.C., com a preparação de cerveja, por babilônios e sumérios, e de pães, pelos egípcios. Na sociedade moderna, o impacto da inovação em biotecnologia ocorreu, inicialmente, com a descrição da estrutura da dupla hélice do DNA, por Watson e Crick, em 1953, com a descoberta da transcriptase reversa, em 1970, e com a obtenção do DNA recombinante, em 1972, quando nasceram a engenharia genética e a biotecnologia moderna. Esses métodos permitem a transferência, com grande margem de segurança, de genes de interesse entre diferentes organismos, utilizando-se metodologias antes inimagináveis.

No Brasil, desde a década de 1970, houve um grande investimento na formação de uma geração de pesquisadores qualificados na área de biotecnologia. A Lei de Propriedade Intelectual, que entrou em vigor em 1997, marcou uma nova etapa, em que a inovação foi valorizada acima da cópia, o que representou um aprendizado constante para um país com pouca tradição no ramo.

A inovação é um fenômeno cujo sucesso se baseia na suplantação de barreiras, que possibilita vislumbrar novos caminhos, alternativos àqueles tradicionais, sem se ater a todas as regras preestabelecidas. O caminho da inovação, porém, precisa ser estimulado. No Brasil, somente em 2005, foi regulamentada a Lei de Inovação Tecnológica, que estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, visando ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do país.

O encontro entre indústria e universidades/institutos de pesquisa – academia – vem sendo estimulado por muitas agências financiadoras. Hoje, a propriedade intelectual é mais valorizada, devido à sua grande importância econômica para os países. Além disso, os bens intangíveis superaram a tradicional estimativa concedida aos bens materiais e imóveis. Assim, não raro, os bens intangíveis de uma indústria são mais valiosos que o conjunto de seus ativos materiais.

Fator humano Depende-se, porém, de mão-de-obra qualificada para fazer essa aproximação da indústria com a academia. Precisam-se de profissionais que se preocupem com o patenteamento do que está sendo gerado pela ciência nas instituições de pesquisa e do que está disponível na grandiosa biodiversidade existente no País. Ademais, também há fatores de atitude comportamental que devem ser alterados depois de décadas de trilhas diferentes seguidas pelo setor produtivo e pela academia. No Brasil, há exemplos de empreendedores que antecederam o futuro, como José Noronha Peres, Professor Emérito da UFMG, que, em 1945, fundou a Hertape, uma indústria de produtos veterinários que faz parte do parque biotecnológico de Minas Gerais. Ainda se podem citar as conquistas em relação à produção da insulina e da insulina recombinante pela Biobras, empresa criada, em 1971, por Marcos Luís dos Mares Guia, pesquisador e também Professor Emérito da UFMG.

Na inter-relação da academia com o setor produtivo, há de se considerar que os fluxos de conhecimento e a proximidade entre esses setores são essenciais para a inovação. A falta dessas ligações e a presença de correntes de cientistas que não as compreenderam e optaram por separar a ciência aplicada da ciência básica resultaram, entre outros fatores, na pouca eficiência da transformação do conhecimento científico em produtos, nas últimas décadas, enquanto as publicações científicas frutificaram no País. Por outro lado, o setor produtivo considerou que os investimentos necessários seriam muito altos e não se alicerçou nos conhecimentos gerados pela academia.

Proposições Como se pode recuperar esse passo numa área tão importante quanto a da biotecnologia? Inúmeras são as proposições em pauta, desde incubadoras de empresas, treinamento para captar empreendedores, financiamentos para ações conjuntas de empresas e instituições de pesquisa até incentivos fiscais. Há um enorme potencial de pesquisas desenvolvido no Brasil, mas faz-se necessário um investimento humano e financeiro para que a propriedade intelectual e a inovação sejam, de fato, implementadas, a fim de se concretizar a transferência da tecnologia para o setor produtivo. As instituições de pesquisa precisam ter condições para investir em propriedade intelectual e inovação e para, ao mesmo tempo, editar publicações científicas. A ponte entre academia e setor produtivo precisa, urgentemente, ser trilhada por profissionais da transferência de tecnologia.

Numa economia globalizada, em que o Brasil aparece como um país com diferenças sociais acentuadas, preservar o patrimônio que representa sua biodiversidade por meio de leis internacionais significa um investimento que dará retorno à sociedade. A biotecnologia vem-se destacando por seu grande potencial econômico, com grandes possibilidades de aplicação nas áreas de saúde humana e animal. O desenvolvimento de vacinas, fitoterápicos e métodos de diagnóstico são temas constantes nas chamadas de financiamento para pesquisa. Porém, é na área de alimentos, devido à utilização de plantas transgênicas, que a tecnologia tem tido seus maiores opositores, com questionamentos sobre a biossegurança desses produtos para o consumo animal e humano.

No entanto, há sucessos nessa área. O Brasil já é o terceiro maior usuário de plantações transgênicas do mundo. Os animais transgênicos também já suscitam novas expectativas, como, por exemplo, a produção de medicamentos do leite. Ainda na área da saúde, os recentes avanços das pesquisas com células-tronco trazem esperanças para a cura de muitas enfermidades. A competitividade do mundo globalizado constitui-se na mola-mestra para a incorporação de tecnologia a produtos e processos, pois evidencia que é necessário inovar para poder competir.

Conceição Bicalho