Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 10- outubro de 2006

Editorial

Entrevista
Evando Mirra de Paula e Silva

Patentes
Do laboratório à linha de produção


Propriedade intelectual e inovação na UFMG
Rubén Dario Sinisterra Milan

Incubadoras
Chocando futuras empresas

Empreendedorismo
Pequenas que trabalham como gente grande

Saúde Pública
Na captura do Aedes aegypti

A lei de inovação e sua repercussão nas
instituições científicas e tecnológicas

Edson Paiva Rezende, José Lúcio de Paiva Júnior, Maria Romanina Velloso Martins Botelho, Nícia Pontes Gouveia e Vinícius Furst Silva

Aeronáutica
Inventores de vôos

Paramec
Tecnologia a serviço da inclusão

Inovação na biotecnologia
Erna Geessien Kroon


Acessibilidade
Bengala eletrônica

Sistemas nacionais de inovação e desenvolvimento
Eduardo da Motta e Albuquerque

Nanotecnologia
Viagem ao país dos “nanos”

Conhecimento e riqueza
Ana Maria Serrão, Lívia Furtado, Mari Takeda Barbosa, Rochel Monteiro Lago, Lin Chih Cheng e Solange Leonel

Solidariedade
Da pura técnica à tecnologia social


Tecnologia social: um conceito em construção
Carlos Roberto Horta

Expediente

Outras edições

 

brasão

 

Paramec

Tecnologia a serviço da sociedade

Projeto da UFMG desenvolve equipamentos para pessoas com deficiência, a baixo custo

Uma década atrás, entre alunos da graduação de Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia – a que se juntaram, posteriormente, estudantes de outras disciplinas, especialmente da área de Saúde –, germinou a idéia de um trabalho em que a tecnologia estivesse a serviço da inclusão social. Foi assim que surgiu o projeto de extensão Paraplégico /Mecânica (Paramec), que se dedica à engenharia de reabilitação, com o propósito de criar equipamentos para facilitar a vida de pessoas com deficiência.

Ao completar dez anos, a proposta inicial do projeto – a de desenvolver equipamentos capazes de dar maior comodidade e acessibilidade aos que deles precisam – está viva e mantém a tônica original de projetar equipamentos que possam ser fabricados a baixo custo.

“Nossa preocupação maior é a de proporcionar soluções alternativas de fabricação para os aparelhos que existem, e não, necessariamente, criar novos aparelhos”, lembra o professor Alexandre Bracarense, criador e, durante muito tempo, coordenador do Paramec.

Segundo Bracarense, o projeto surgiu, em 1996, numa aula de Processos de Fabricação. “Um aluno levou uma órtese fabricada por fundição. Ele queria estudar a produção dessa mesma órtese utilizando o processo de soldagem, muito mais barato”.

Da conversa com o, então, aluno Eduardo Jardim, acabou sendo criado o Paramec, com a participação inicial de nove estudantes.

De início, foram definidas três áreas preferenciais de trabalho – próteses e órteses, mobilidade e fisioterapia – e o primeiro equipamento projetado foi uma cadeira de rodas, adaptação de um projeto norte-americano, de domínio público, visando ao barateamento do produto.

Na época, o projeto contou não só com o apoio do empresário Pedro Keachele, proprietário de uma indústria mecânica, mas também com parcerias firmadas com o governo do Estado de Minas Gerais e com empresas privadas.

Cadeira que levanta Como exemplo de inovação, Bracarense destaca o projeto, que surgiu durante uma reunião do Paramec, de uma cadeira de rodas verticalizada.

Batizada, na época, como Cadeira com Verticalização de Posição (CVP), foi desenvolvida, anos depois, por dois ex-participantes do Paramec, os engenheiros Milton Vieira dos Santos e Astemius Pereira da Costa. Depois de formados, os dois decidiram levar à frente essa idéia – a de uma cadeira de rodas que permitisse ao usuário esticar o corpo com a ajuda do aparelho e, também, de sua próprias pernas.

Com o apoio da incubadora Inova, eles conseguiram financiamentos para o desenvolvimento do projeto e montaram a Adaptec Biomecânica, empresa em que reuniram uma equipe multidisciplinar para projetar um modelo ideal do equipamento. Segundo Milton, a cadeira, que tem patente requerida, recebeu acréscimos e inovações e foi rebatizada como Cadeira de Rodas Múltipla (CRM).

A filosofia do Paramec – de fabricação de equipamentos de baixo custo – orientou o projeto da CRM, cujo protótipo foi lançado em 2001, para competir com a importação de cadeiras semelhantes, mas que alcançavam custo muito maior. Mas, ainda que tivesse obtido muita visibilidade, a CRM ainda não foi produzida comercialmente.

Tecnologia assistiva Depois de um período de hibernação, o Paramec está-se rearticulando e voltando à atividade. Como esclarece o atual coordenador, professor Marcos Vinícius Bortolus, a prioridade é fazer o grupo funcionar de forma afinada, trabalhando em conjunto, e reforçar o intercâmbio entre alunos de cursos diferentes. Continua valendo, também, a preocupação de envolvimento com projetos que tenham ganho social relevante. “Não dá para pensar apenas na parte tecnológica”, observa Bortolus, destacando a absoluta interdependência de especialidades que se juntam no Paramec.

Estudantes e coordenador têm uma grande preocupação com a integração das áreas do conhecimento científico que permeiam as atividades do Paramec. Essa preocupação levou-os a criar uma dinâmica de debate sobre o próprio trabalho, com base na leitura e discussão de textos, livros e filmes que ajudem na compreensão do processo de transdiciplinariedade.

Com o projeto aprovado na Pró-Reitoria de Extensão, que garante a permanência de três bolsistas no grupo, o Paramec está focando o trabalho no desenvolvimento de “tecnologia assistiva” para educação especial. “Vamos nos envolver com idéias que tenham maior impacto na sociedade, que possam atender a demandas específicas de grande abrangência”, diz Bortolus. Atualmente, fazem parte do Paramec oito estudantes dos cursos de Engenharia Mecânica. Engenharia Elétrica, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Designer, dois dos quais não são alunos da UFMG.

Vencendo dificuldades Recentemente, o Paramec iniciou contatos com o Centro de Educação Especial Sérgio de Freitas Pacheco, unidade do Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus – entidade filantrópica que atua no atendimento de famílias carentes. Esse Centro trabalha com cerca de 300 crianças e adolescentes com deficiência, grande parte deles com deficiência mental grave.

Agora, o Paramec vai em socorro do Centro de Educação Especial, tentando desenvolver um equipamento para a transferência dos alunos. “O que pedimos é que seja um projeto coletivo, que sirva para várias atividades”, assinala a pedagoga Fátima Pádua. Para que o projeto realmente atenda às necessidades dos alunos, o grupo de estudantes da UFMG iniciou, em abril passado, um período de convivência com a entidade, procurando compreender melhor a dinâmica das atividades e as carências comuns das crianças ali assistidas.

“A escola também será autora do projeto, porque estamos fazendo tudo juntos”, diz Aline Torguetti Ferreira, do sétimo período de Terapia Ocupacional, integrante do Paramec. Na opinião dela, observar o trabalho no Centro de Educação Especial foi essencial para a percepção correta das necessidades dos alunos e dos professores.

Os relatórios, frutos do contato do Paramec com a escola do Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus, estão sendo finalizados. No entanto, os estudantes já têm propostas que serão debatidas com a direção do Centro de Educação Especial. “São muitas idéias e teremos que dar-lhes uma ordem de prioridade, mas pensamos em criar equipamentos de socialização, com designer universal, que facilitem as atividades e, principalmente, ajudem na integração dos alunos”, diz o coordenador do Paramec.

Bortolus conta que, apesar de o projeto prioritário ser o desenvolvimento de um equipamento para transferência dos alunos, os integrantes do grupo apresentaram outras idéias de equipamentos que proporcionam mais comodidade e liberdade aos alunos especiais em diferentes situações – como, por exemplo, durante a permanência no parquinho. “Pensamos em brinquedos adaptáveis que podem dar mais autonomia às crianças. Também já discutimos idéias de carteiras reguláveis e de tatames suspensos”, diz o professor.

Conceição Bicalho

 

Inclusão no banco da escola

Preocupado com estudantes com deficiência que não encontram conforto e praticidade nas salas de aula, o projetista Paulo César Carvalho criou uma carteira escolar com mecanismos adaptáveis às cadeiras de roda e às necessidades de manuseio desses usuários. Sem concorrentes no mercado nacional e, mesmo, internacional, o projeto do móvel inaugurou uma nova iniciativa no âmbito da UFMG, pois responde pelo primeiro pedido de patente de uma invenção assinada por um funcionário técnico-administrativo da Instituição.

Projetista do Departamento de Planejamento Físico e Obras (DPFO), Paulo César deparou-se com o problema de mobiliários não-adequados a pessoas com deficiência a partir da demanda de um aluno do curso de Física, no Instituto de Ciências Exatas. O desconforto do aluno, causado pelo fato de manusear livros e cadernos usando o próprio colo como apoio, motivou o projetista a desenvolver um mobiliário apropriado, que oferecesse autonomia ao usuário.

O projeto, que começou a ser desenvolvido em 2000, visava à criação de uma carteira escolar que, além de se ajustar às cadeiras de rodas, também levasse em conta a altura do aluno – criança ou adulto. Numa pesquisa para a mapear similares, o projetista confirmou que não existia produto igual no mercado nacional ou internacional. “O produto mais parecido tem carteira e cadeira juntos”, lembra.

O tampo da carteira inventada por Paulo César é reclinável, oferece apoio para lápis e caneta, uma fenda que prende o papel ou caderno em uso e é apropriado para alunos tanto destros quanto canhotos.

A carteira despertou o interesse da Visar Indústria e Comércio, uma empresa mineira fabricante de móveis escolares e de escritório. “Produtos que promovem a acessibilidade são uma necessidade do mercado atual, mas há, ainda, uma carência muito grande”, diz Simon Dias Abrahão, diretor dessa empresa. Por meio da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CT&IT), responsável pelo pedido de patente da carteira, foi fechado um acordo entre a UFMG e a Visar para sua fabricação e comercialização.