Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 10- outubro de 2006

Editorial

Entrevista
Evando Mirra de Paula e Silva

Patentes
Do laboratório à linha de produção


Propriedade intelectual e inovação na UFMG
Rubén Dario Sinisterra Milan

Incubadoras
Chocando futuras empresas

Empreendedorismo
Pequenas que trabalham como gente grande

Saúde Pública
Na captura do Aedes aegypti

A lei de inovação e sua repercussão nas
instituições científicas e tecnológicas

Edson Paiva Rezende, José Lúcio de Paiva Júnior, Maria Romanina Velloso Martins Botelho, Nícia Pontes Gouveia e Vinícius Furst Silva

Aeronáutica
Inventores de vôos

Paramec
Tecnologia a serviço da inclusão

Inovação na biotecnologia
Erna Geessien Kroon


Acessibilidade
Bengala eletrônica

Sistemas nacionais de inovação e desenvolvimento
Eduardo da Motta e Albuquerque

Nanotecnologia
Viagem ao país dos “nanos”

Conhecimento e riqueza
Ana Maria Serrão, Lívia Furtado, Mari Takeda Barbosa, Rochel Monteiro Lago, Lin Chih Cheng e Solange Leonel

Solidariedade
Da pura técnica à tecnologia social


Tecnologia social: um conceito em construção
Carlos Roberto Horta

Expediente

Outras edições

 

brasão

 

Artigo

Sistemas nacionais de inovação e desenvolvimento

Eduardo da Motta e Albuquerque
Professor da Face/UFMG

O Brasil faz parte de um conjunto de países que não possuem um sistema nacional de inovação completo, ou maduro. Portanto, ao lado de outros como Índia, África do Sul e México, precisa investir decididamente na construção desse sistema.

Trata-se de um arranjo institucional que envolve múltiplos participantes: empresas, com seus laboratórios de P&D e suas redes de cooperação; universidades e institutos de pesquisa; instituições de ensino em geral; sistemas financeiros capazes de apoiar investimentos inovadores; sistemas legais; mecanismos mercantis e não-mercantis de seleção; governos; mecanismos e instituições de coordenação.

Os sistemas assim constituídos são determinantes importantes da riqueza das nações. Há evidências estatísticas que apóiam essa afirmação, como a alta correlação entre renda per capita e indicadores de produção científica e tecnológica, como está sistematizado no gráfico abaixo.

Países desenvolvidos possuem sistemas de inovação articulados e consolidados. Outros, que, recentemente, promoveram processos de catching up1 bem-sucedidos – Coréia do Sul, Taiwan –, apoiaram-se na construção desses sistemas.

As economias mais fortes são impulsionadas, hoje, pela revolução das tecnologias de informação e comunicação, que, ao que tudo indica, antecede uma iminente revolução tecnológica baseada na biotecnologia.

Esse cenário depende fundamentalmente da interação de universidades e institutos de pesquisa públicos com empresas. Em outras palavras, do casamento entre ciência e tecnologia. Esse processo é dinâmico – e, às vezes, a ciência o lidera; às vezes, ela segue o rastro da inovação industrial. Essa interpretação do papel da ciência implica considerar importantes para o desenvolvimento questões e demandas que as empresas apresentem às universidades. Por isso, um setor industrial com baixa motivação para inovar pode ser tido como um fator limitador não só do desenvolvimento científico de um país mas também da sua capacidade de inovação industrial.

O papel das universidades Há funções específicas das universidades em processos de desenvolvimento. Durante o catching up, a infra-estrutura científica atua como “antena” para identificar oportunidades tecnológicas. Em um país subdesenvolvido, essa infra-estrutura, em vez de ser apenas uma fonte direta de oportunidades tecnológicas, apenas oferece “conhecimento para focalizar buscas”.

O papel da ciência durante processos de catching up pode ser avaliado em três dimensões. Em primeiro lugar, ela atua como “instrumento de focalização”, contribuindo para a identificação de oportunidades e para a vinculação do país aos fluxos internacionais. Em segundo lugar, ela torna-se instrumento de apoio ao desenvolvimento industrial, provendo conhecimento necessário para a participação em setores industriais estratégicos. Finalmente, ela serve como fonte de algumas soluções criativas, que, dificilmente, seriam obtidas fora do país – por exemplo, vacinas contra doenças tropicais, desenvolvimento de certas ligas metálicas, preparação de softwares aplicados e outras.

Certamente, há uma inter-relação entre esses diferentes papéis, na medida em que o desenvolvimento da capacidade de absorção é uma precondição para desenvolvimentos tecnológicos locais, originais e incrementais.

Qual é, portanto, a contribuição das universidades para a inovação no Brasi? Dados da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), realizada pelo IBGE em 2000 e em 2003, contribuem para um mapeamento inicial da relação entre universidades e empresas. Uma tabulação especial dos dados relativos a 2003, preparada pelo próprio IBGE, indica que, em um universo de 28 mil organizações, 19,1% das empresas com atividades inovadoras investiram apenas 14,9% em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) interno, apenas 1,5% em P&D externo e apenas 2,7% nos dois tipos de P&D.

A relação entre atividades de P&D e a importância da universidade como fonte de informação pode ser identificada comparando-se dois conjuntos de organizações: 6,1% das empresas que não realizam P&D consideram as universidades importantes, enquanto 20,8% das que realizaram algum tipo de P&D, utilizam essas instituições como fonte de informação (1.120 organizações em um universo de 5.372).

Entre as firmas com atividade de P&D, destaca-se um conjunto minoritário – das 769 empresas com P&D interno e externo, 278 (40,6%) avaliam as universidades e institutos de pesquisa como fontes de informação importantes para a inovação. Essas organizações constituem um núcleo mais dinâmico e capacitado tecnologicamente. Possivelmente, há uma relação de complementaridade entre o P&D das empresas (interno) e o das universidades (externo).

Aquelas que realizam apenas P&D externo – 432 empresas, das quais 123, ou 28,5%, consideram as universidades importantes – ocupam o segundo lugar na valorização das universidades. É provável que elas utilizem diretamente essas instituições como fonte de seu P&D, pela contratação de pesquisas. Nesse caso, P&D de universidades pode ser substituto, pelo menos temporário, do P&D interno.

O terceiro lugar na valorização das universidades é ocupado pelo conjunto de firmas que realiza apenas P&D interno – das 4.171 dessas empresas, apenas 719 (16,7%) avaliam as universidades como importantes. É necessário destacar que essa porcentagem corresponde ao triplo da detectada entre as empresas que não realizam P&D – apenas 6,1% destas consideram as universidades importantes.

Finalmente, há 1.255 empresas que, embora não realizem P&D, valorizam as universidades como fontes de informação para suas atividades, número que supera o de empresas com P&D que valoriza as universidades – 1.120. Uma explicação para a existência de muitas empresas sem atividades internas de P&D – mas que atribuem importância alta ou média às universidades como fonte de informação – pode centrar-se na utilização de recursos da universidade como substituto do investimento interno, talvez em função da restrição de recursos financeiros passíveis de alocação para atividades contínuas, ou não, de P&D. Outra hipótese é a de que essas empresas, pelo relacionamento com as universidades, estão em vias de iniciar atividades internas de P&D.

Aquém da massa crítica A existência de um núcleo de empresas envolvidas com P&D é uma notícia positiva – ou seja, uma forma de identificar que as conexões entre empresas e universidades já estão operando em um sistema ainda imaturo como o brasileiro. É exatamente esse núcleo do setor industrial que a universidade mais valoriza. Em termos da construção do sistema de inovação no Brasil, o problema reside, portanto, na limitação desse núcleo de empresas, que restringe a propagação dos efeitos positivos derivados da interação empresas/universidades. Entretanto, é preocupante a pequena dimensão desse núcleo de firmas com investimentos em P&D.

Essas observações permitem sugerir um tema para a discussão: o do impacto de políticas públicas sobre o estabelecimento e fortalecimento de interações universidades/empresas. Por um lado, partindo das empresas, podem se constituir políticas que estimulem o investimento em P&D industrial. A ampliação dos investimentos em P&D, certamente, vai multiplicar a capacidade do setor industrial de aproveitar o conhecimento científico já produzido nas universidades brasileiras.

Por outro lado, é preciso reforçar as universidades e institutos de pesquisa no Brasil. Há evidências de que a infra-estrutura científica no País está aquém de um patamar que indica o alcance de uma massa crítica necessária para aumentar a eficiência da interação ciência/tecnologia. O crescimento da infra-estrutura científica é necessário para que essas instituições consigam atender à demanda que venha a crescer em empresas mais envolvidas em atividades de P&D, o que vai resultar, também, no aumento da demanda por profissionais formados nas universidades, em especial os pós-graduados.

Em suma, a formulação de políticas a partir do conceito de sistemas nacionais de inovação enfatiza a importância de pensá-las de forma integrada. A fraqueza do sistema de inovação no País constitui-se um dos maiores entraves ao processo de superação do subdesenvolvimento brasileiro.


GRÁFICO
Distribuição dos países de acordo com a renda per capita (Log10 GDP(pc)), a produção científica (Log10 A*; onde A*=artigos científicos por milhão de habitantes) e a produção tecnológica (Log10 P*; em que P*=patentes por milhão de habitantes)
Fonte: Ribeiro et al, 2006

1) Processo de redução do hiato (fosso, gap) entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas. Um indicador importante dessa redução consiste na aproximação em termos de renda per capita. Dados de 2003 indicam que, no conceito Paridade do Poder de Compra (PPP), a renda per capita dos Estados Unidos é de US$ 37.562 e, enquanto a do Brasil é de US$ 7.790. Ou seja, a renda per capita brasileira corresponde a 20,74% da dos Estados Unidos. O início de um processo de catching up pode ser constatado pela diminuição dessa diferença – ao dobrar-se a renda per capita brasileira, esta passaria a corresponder a 40% da dos Estados Unidos, alcançando um valor em torno de US$ 15.000 (PPP).